Sonhos

“Que bom que você veio”. Ela devia ter dito, mas não falou. Tem coisas que a gente não faz e se arrepende. Têm outras que faz e também se arrepende. Por fim tem aquilo do qual nunca nos arrependemos.
Há muitos anos ela esperava aquele momento e, de repente, ele se materializava em sua frente. E, num piscar de olhos, os anos de espera passavam pela mente, como um filme de retrospecto da vida. Então ela lembrou a primeira vez que sentiu o desejo. Das perseguições (que mais tarde se repetiriam em outros objetos). Do olhar ofertante. E da sensação de que estava fadada ao ser platônico.
Mas naquele dia tudo era diferente. Ele estava frente a frente. E era palpável. Como da primeira vez que desejou e não pegou.
Com uma imensa saudade, dos anos de espera, ela abriu a porta. No fundo, queria que tivesse sido invadida, como na canção do Chico*. “Que bom que você veio”, ela devia ter dito. Mas preferiu abraçá-lo e agarrá-lo (talvez com medo de deixá-lo escapar – de novo???). Um sonho, quando se transforma em realidade tem de ser vivido até o fim.
“Que bom que você veio”, ela devia ter dito. Não é todo dia que um sonho se realiza e sua vida era feita de esperas. Algumas pequenas e outras, muito, muito longas, como aquela. Outras ela ainda espera (mas essas, talvez ainda haja tempo).
E então, a porta aberta, o abraço dado e o desejo realizado. Como mágica. Como nos contos de fada que ela insistia em ler (e que leu demais), quando era criança. E era como num lindo e mágico sonho infantil que ela se sentia naquela hora. Como uma criança marota, que brinca, se diverte e dá muita risada. Nunca antes, depois da infância, tinha se sentido assim. É como se ali, com o desejo saciado, ela fosse ela e não as inúmeras personagens que tinha de viver diariamente.
“Que bom que você veio”. Ela devia ter dito, como que para agradecer a Deus (ou ao Universo) por aquele momento. Mas não disse. E não deu tempo. E agora a porta fechou. Pra sempre. (como nos contos de fada...)

* Teresinha
Maio/06

Para ler ao som de "Porque era ela, porque era eu", do CD Carioca, do Chico Buarque

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