Esperas

Impaciente, ela olhou no relógio (biológico) o tempo. Já tinha perdido as contas do quanto esperava. Justo ela que sempre quis tudo pra ontem. E de repente ali, à mercê, tendo de ouvir frases do tipo: “o mundo foi feito em sete dias e você não nasceu de sete meses”. Tá bom...
Caminhava de um lado para o outro, como que em busca de alguma coisa. Parou. Bateu o pé no chão (do lado direito, da mão que escreve), ritmado. Num pulso maior que o coração podia atingir. Caminhou mais um pouco e sentou. Bufou. Quando já ia reclamar da vida viu uma cena linda! Então, seus olhos se fixaram na imagem e ela ficou ali, contemplando a paisagem. E se imaginou nela. De repente, se transportou para longe. E se lembrou de quanto tempo estava naquele compasso de espera.
“A vida é feita de esperas”, pensou. Um sorriso surgiu no canto do lábio. O olhar ficou vago, parado no túnel do tempo. “Eu te espero”, ela disse um dia. E agora cumpria a promessa.
Lembrou-se de quando era criança. Carlos era o nome (que mais tarde se tornaria maldito). Ela nem sabia direito quem era, mas aquele nome de homem lhe era presente. Ainda brincava de bonecas, quando as chamava de Carabina, Galharda, nomes estranhos buscados nos confins da memória ou da breve vida. Mas uma coisa lhe soava como música, lhe era familiar. Carlos, assim como Cristina, que não sabia lhe pertencer.
Ali, contemplando aquela imagem, alguma coisa lhe tocou profundamente e então ela se viu em diversas fases da vida. Mas sempre com algo em comum: uma espera.
Na adolescência, sonhava em casar virgem, de véu e grinalda. Morar no mesmo bairro da infância e, se possível, retornar à casa que um dia fora de seus pais. Quis o destino que a vida não fosse assim.
O sorriso, antes de canto, agora puxava os dois lados da boca (ainda fechada). E o olhar compenetrado continuou. Mas, mais vibrante. Recordou-se então do dia em que descobriu que o nome era outro. O mesmo de um ídolo (mais tarde detestado), de crianças adoráveis que um dia conheceu. E percebeu que não importava de onde viesse: o nome era aquele porque era forte; porque traduzia alguma coisa que ela não sabia explicar. Porque era o nome da espera.
Ali, sentada, olhando a cena, veio à cabeça as vezes em que se sentiu só e que a simples lembrança dele a preenchia. De quando alguém lhe disse que ficaria linda com ele. De outra vez, no meio daquela cidade fria e úmida, que pensou em não mais esperá-lo. E ficou com a cara de lua.
O certo é que há anos ela o esperava e agora ria ao lembrar disso. Um riso aberto, de um lado a outro do rosto. Como o de uma criança que ganha um presente muito desejado. Olhando a cena, ela pensava nisso. “Eu te espero”, quase que falou em voz alta sozinha, ao contemplar a imagem.
“Vem”, disse ela numa circunstância em que achava que perdoaria erros do passado, prometendo a alguém uma vida que não lhe pertencia.
E a cada minuto de espera a imagem se tornava mais nítida. O cabelo preto, bem escuro; a pele bem branca; contrastando. Foi assim que ela o viu, certa vez, em um momento de “teletransporte”. Estavam os dois num campo lindo, com folhas outonais no chão, mas com a paisagem meio de inverno europeu. De quando conheceu alguém com aquele nome, que lhe falou de vidas passadas. E ela pensou: “é, pode ser de outra vida, mas não é você”. Outra vez, em mais uma “viagem astral”, o encontrou em casa, na sala, brincando com duas meninas. Aí ela chorou.
Os olhos embaçados olhavam aquela cena. Mas talvez agora só visse as lembranças que dela afloravam. Aquele nome. As vezes em que admirava seu corpo, que o imaginava junto a si. Que se tocava como que a lhe acariciar. De quando pensava que poderia tê-lo.
“Eu estou te esperando”, disse quebrando o silêncio da contemplação. Tirou os olhos da cena e se admirou. Viu o colo, os seios, a barriga, o ventre e tudo o que podia enxergar daquele ângulo, sentada. A mão deslizou pelo corpo e o olhar a acompanhou. Pousou e ela olhou ao redor, como que à procura. Levou os olhos aos céus, tentando saber como se comunicar. Olhou tudo o que a vista alcançava e aquilo que só a alma enxergava. E então, como em oração, ela disse mais uma vez: “Eu te espero, eu sempre te esperei. Vem”. Deu um sorriso maroto e acrescentou: “Vem, mas sem pressa, que eu vou te esperar filho”.

Maio/06
Sampa


Uma homenagem a todas as mamães que esperam por seus filhos

Comentários

Eu sabia exatamente como Bruno seria.

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