Olhos que sentem

Desliza sobre a minha pele, áspera, forte. Tu pegas como quem agarra algo muito gostoso, que não quer perder. Escorrega, brinca de esconde-esconde. Descobre as profundezas do meu ser. Tateia: por onde estará a sensibilidade? Enxerga mais do que a alma pode ver.
Entrelaçam-se. O frio com o quente. O grosso com o fino. Choques de sensações. Longos versus redondos. Sobem. Puxa, vira, estica e puxa. Joga para um lado e outro. Meus cabelos voam. Agarra o rosto com vontade.
O pescoço arrepia. O corpo segue o teu olhar. Aperta. É forte, é grande, tem um jeito de monstro? Lembras do pé-grande? Não, é um animal no cio, um leão à caça. Como pode ser tão forte sem machucar? Gigante. Às vezes parece enorme. Uma formiguinha ao lado do elefante.
Apalpa os meninos. Dá bom-dia com a boca. E percebe quando eles querem estar mais próximo de ti. A pele roça, por vezes arranha. Parece que trabalhou no campo. Veio de outro mundo.
Os olhos me perseguem. Estão por toda a parte. À procura. Do que? Não sei. Só eles sabem. Têm um formato arredondado, lembram uma criança. Gordinha. Fofa. Que brinca e se delicia. Inventas histórias enquanto percorres teus caminhos. Alguns já conhecidos; outros, nem tanto. Por vezes a alcançar.
"Olha só como está aqui..." Tu sentes, não precisas ver. Os olhos sentem. Não enxergam, jamais.
E segue a dança louca de ver com os olhos fechados. De perceber sem precisar enxergar.
Desce mais um pouco, com curvas e ruas lisas, às vezes com buracos no meio, lombadas – sem controle de velocidade -. Desce, mas não muito. Entra na escuridão. Um lugar onde tudo é perceptível. E ali ficas adormecido. Mas os olhos que sentem continuam com buscas. Só que eles não passam mais do conhecido. Fazem caminhos de vai-e-vem. Percursos que já passaram. Não vão até onde os ossos batem ... onde a pele escama... Ali não chegam. Eles têm miopia? Não, tuas mãos só tocam onde querem pegar. Simples.

Em 22/07/04 – São Paulo

(Da série: Ela pensa que é literatura)