Tia, sim

Desde pequena a palavra tia me intriga. E, em cada fase da vida, ganha uma nova significação.


Quando criança, bem pequenina, ainda não questionava o vocábulo, mas dispunha de uma ideia formada a respeito. Para mim, tia eram as irmãs do meu pai ou mãe. Tias eram as minhas tias, todas, inclusive a minha madrinha, que não era dinda. Eram muitas, devido à família numerosa, mas poucas, se comparado à inúmeras que tive no decorrer dos anos.

Ao entrar no jardim de infância descobri que tia também era aquela mulher que, na sala de aula, nos dava trabalhinhos, brincava e cantava com a gente.

Na escola, desenhando a família, a tia ensinava que tia era a irmã do pai. E eu ficava pensando se o meu pai era irmão dela... Nesta confusão, me falavam que existia a tia da família e a tia da escola. E na escola tinha a tia da aula, a tia da merenda, a tia da limpeza. Não cabia tanta tia no papel.

Eu fui crescendo, e a tia da escola dizia que tia, só no jardim de infância. Ali na sala ela era professora ou “profi”, como nós a designávamos. Ou melhor, “profi-tia”, no período intermediário em que me encontrava, sem saber quem era tia. Chamava aquela tia-professora o profi-tia e ficava pensando se eu havia perdido as outras tias. Tentava imaginar quem elas eram e quem eram as minhas tias.

Na quarta série, aprendendo feminino e masculino, me disseram que tia era a mulher do tio. Então me entregava a pensamentos sobre aquela mulher que morava com o irmão de minha mãe, se ela era minha tia ou não e se, as irmãs do meu pai, ainda eram minhas tias. Minha cabeça se complicava ainda mais...

Foi então que eu conheci uma outra tia. E ganhei um monte com isso! Não sei porque mas tia agora era todo mundo. De repente, a moda de chamar a todas de tia pegou. Ou, se não, era o fato da palavra representar uma transição. De certo, por ser um termo pequeno, remetia à infância e, ao mesmo tempo, nos resguardava da vida adulta. Aquela coisa de adolescente querer crescer, mas não conseguir se desprender facilmente das raízes. E, também, pelo fato de, nessa fase, não saber quem é e, por isso, não poder saber quem é tia. Afinal, não posso denominar os outros quando não sei quem sou.

Ingressava no segundo grau com um monte de tias e sai sem nenhuma delas. Produziram em mim uma lavagem cerebral ou a maturidade fez com que tomasse conhecimento do real significado da palavra tia? Isso se há um real sentido... Acho que, na verdade, o entendimento depende da ocasião.

Lá no segundo grau comecei a questionar o termo tia. Discutíamos seguidamente a questão da massificação dessa palavra e o porque da professora ser qualificada desta foram. Era a desqualificação e o rebaixamento profissional! Humm... então não podia admitir que me chamasse de tia. Tia, só parente. E se alguém me chamava de tia, logo ironizava; “É sobrinho?”

Este era o significado da palbra tia para mim até aquele Natal: parente. Porém, a partir dali, comecei a ver que tia não era só isso. Tinha algo a mais. E me descobri tia, com um novo significado.

Naquele Natal, do dia para a noite virei tia, pois nasceu o filho do meu irmão. E vi que, além de irmão do pai, tia é quem tem sobrinho.

Essa descoberta me deixou irradiante. Agora admitia e queria que me chamassem de tia. E tinha muito orgulho de me denominar assim. Eu era a tia dele!

E, mais, além de tia, era a tia “baba ovo”, tia-coruja. Daquele tipo que se encanta ao ver o sobrinho-nenê. Que quer agradá-lo. Que se sente a mais amada do mundo no momento em que o sobrinho dá um sorriso ou quando pára de chorar ao ficar no meu colo.

Conheci também o real significado, até o presente momento, da expressão “ficou para titia”. Virei tia sim, não tenho filho, só sobrinho. Entretanto isso não quer dizer nada. Até é melhor: a tia pode mimar a criança, permitir tudo. E só ganha a parte boa: os sorrisos, o colo sem choro, o sono tranqüilo. A fralda chuva, o mama, o vômito e outros inconvenientes ficam para mãe. Afinal, tia é só parente...

E o mais legal nessa minha descoberta é que essa denominação logo, logo mudaria. Teria outro tom e soaria mais bonito aos meus ouvidos quando ele dissesse: tia, minha titia.

E assim se fez. Um dia, ao ir embora, ele gritou: “sau cia” (tchau tia). Eu parei. Meu irmão perguntou: ouviu. E ele deu risada quando eu pedi para repetir. “Cia”. Tia, sim, e eu vou dizer com muito orgulho, sempre.








Porto Alegre


1º semestre/1996

Comentários

Postagens mais visitadas