Concretudes

Queria poder me jogar a teus pés para que me segurasses junto a ti. Lembras quando tapei os ouvidos para ficar? Quisera que a tática funcionasse agora.
A primeira vez que te vi, fiquei encantada. Quanta gente bonita ao teu redor! Verdade que quando somos adolescentes, tudo nos encanta... Mas naquela época, não pensei em ficar próxima. No entanto, quando sai de casa, foi de ti que lembrei.
O destino quis que eu fosse para longe. E lá, me apaixonei por outra, mágica e encantadora. Confesso que no início ainda sonhava contigo, mas ela foi me pegando de um jeito que não resisti. Foi com ela que me descobri e com ela que quero morrer. Mas é contigo que eu quero viver agora, neste instante.
“Tu vais te apaixonar”, me disse uma amiga, quando deixei a outra. “Que nada, é um afastamento temporário. Já tenho o amor da minha vida”, respondi. Talvez não exista apenas um amor...
Por vezes te odiei. Mulher difícil. Oferece tudo, mas dificulta o acesso. Mostra e esconde. Danada!
Quando te reencontrei, chorei muito. Não por ti: a dor de um amor abandonado. Agora és tu quem me fazes chorar. Quem imaginou?
Não sei se tu me encantas realmente. Talvez o que me encante sejam as possibilidades. No fundo, não tens nada de belo. Verdade que lembras as minhas origens. Mas teu cheiro não me agrada. Tua textura também não. Contigo passo noites sem luar. Contigo, tudo é cinza. Céu nublado, como estão os olhos meus.
És agitada como eu. Ás vezes arrogante, prepotente. No entanto, falta pouco para seres completa. Ou para eu me sentir completa ao teu lado. Falta a magia do amor...
A gente demora a descobrir o que quer e, no íntimo, nunca imaginei que meus sonhos se realizassem contigo. Só com aquela que nunca me quis. Mas para chegar a eles, preciso passar por ti e, por isso, eu te agradeço. E por isso, eu não quero que me abandones.
É uma relação utilitária a nossa. Tudo bem que seja. Afinal, és pragmática. Agora, queria que fosse mais que isso: sensível. Que eu pudesse me agarrar a ti.
Difícil se despedir. Todas as minhas despedidas foram rápidas. Contigo não. Eu a vivo a cada dia, há meses. E agora, mais do que nunca. Sinto-me como um doente terminal, vendo sua vida escapar por entre os dedos. Sonhos adiados que se desmoronam. E tudo foge ao meu controle, à minha vontade. E as lágrimas saem como o suor, fazem parte do meu cotidiano. Deixar-te é extremamente doloroso. Só porque és gigante, tens de fazer isso, transformar nossa despedida num infinito?
Eu abro a janela e vejo o céu que o outro não via. Caminho pelas ruas e me sinto esvaindo. Em cada esquina vai ficando um pouquinho de mim. Roubas-me. Tu já tinhas me feito sentir isso antes e eu pensei que seria um alívio me separar de ti. Agora, repetes, em doses homeopáticas. Matas-me a cada dia um pouco mais.
Desde que decidiste que ias me expulsar eu vivo meus dias como se fossem os últimos. Antes, me alegrava voltar para o amor da minha vida. Hoje me dói. Sinto-me incompetente. Não fui capaz de te segurar nos meus braços.
Cada olhar é um adeus. Cada sorriso. Cada encontro. Uma festa, de despedida. E vais me deixando a cada dia. Em cada abraço, quero me agarrar. Eu olho como quem diz: “Salves-me”. Mas parece que não me escutas. E me abandonas a cada dia. Por que não me matas de vez, me dá morfina? Para que me fazer sofrer assim? Não sei. Só sei que em ti, nada me encantas. Só as possibilidades, que queres me fechar. No alto de tua grandiosidade, não vês que és pequena: Sampa.

(Ela pensa que é literatura)
(As cidades invisíveis)

Sampa
Julho/06


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