Pedro ou Pedrita
Quando eu era criança, sem saber que meu
segundo nome era Cristina, dizia que teria uma filha com esse nome – o nome que
eu gostaria de ter. E, se fosse homem, se chamaria Carlos. Não sei se alguma
novela, filme que eu assisti tivesse esse casal: Cristina e Carlos. Ou talvez a
escolha se devesse pelas letras iniciais iguais. O fato é que esse seria o nome
da menina ou do menino que um dia eu teria. O primeiro nome de um com o segundo
nome do outro, na vida real, nunca virou, de fato um casal.
Já na adolescência – talvez por causa da
dança ou de alguma liberdade que almejasse – já não me imaginava mãe, então não
haveria nem Cristina, nem Carlos. Imaginava-me, um dia, casando com alguém que
já tivesse filhos (em idade pré-escolar) e que eu seria, assim, “meio mãe”, sem
precisar carregar nove meses um bebê na barriga. Ou quem sabe, adotaria.
Pensava.
Lembro-me que, ainda com este pensamento,
conheci – alguns anos mais tarde – alguém que me disse: com a primeira esposa
eu tive dois, com a segunda um e com a terceira não terei nenhum. Eu seria a
terceira, pensei. Dez anos depois, quando nós dois namoramos, ele seguia no
mesmo pensamento. Eu, não. E, por isso, não segui em frente em nossa relação.
Uma adoção, aventada ainda na adolescência, se tornou carta fora do baralho, depois de alguns acontecimentos na minha família.
Eis que, aos 21 anos, por algum motivo
inexplicável, eu me imaginei mãe pela primeira vez. Mãe de um filho de uma
pessoa específica. Algum tempo depois, pensei até em fazê-lo sem que o pai
precisasse, de fato, sê-lo. Doaria seu esperma mais nada. Mas, no fundo, seria
o pai do meu ou da minha filha.
Aos 27 anos, numa viagem astral, eu vi um menino
– imagem que se repetiu outras vezes – e ele se chamava Pedro. Eu tive certeza,
naquele dia, que ele seria o meu filho. E, desde então, o desejei e o esperei. O
problema, no entanto, era encontrar o pai dele. Aquele que eu um dia desejei,
já não poderia ser. Teria, então, de encontrar outro. Mas nunca o encontrei.
Aos 34 anos o relógio biológico
apertou e eu aceitei uma relação fadada ao insucesso apenas e tão-somente
pensando no Pedro. Se fosse procurar o pai do Pedro, até achá-lo e concebê-lo,
talvez não desse tempo. Por que, então, não aceitar o que a vida apresentada,
mesmo sem imaginar, de fato, que ele poderia ser o pai do menino? Deixei de lado a canceriana romântica e me apoiei na sagitariana pragmática. É lógico que
uma relação fadada ao insucesso não daria certo e, por sorte, não deu nem tempo
de fazer o guri.
Não sei se um dia eu acharei o pai dele.
Talvez ele fosse o cara dos meus 21 anos, que a vida fez com que nos separássemos.
Nunca mais o menino apareceu pra mim, nem em sonhos, nem em viagens astrais.
Lembro que um dia eu falei: guri, desculpa, talvez a gente tenha de deixar pra
próxima encarnação.
Mas eu também não desisti dele, apesar de o
relógio biológico teimar em me dizer que talvez não dê mais tempo. Um dia
desses, um amigo disse: faz uma produção independente. O que é mais importante
pra ti: construir uma família ou ter o guri? Perguntou-me o amigo. Eu queria os
dois... E talvez tanto fizesse se ele fosse Pedro ou Pedrita, desde que eu
vivesse a experiência de vê-lo crescer em meu ventre.
Mas será que ele teria de vir assim? No
domingo, com as crianças do Nosso Lar, eu fiquei pensando nisso. O que é mais
importante: a criança ou a experiência da gravidez?
Uma amiga minha, separada há 10 anos, me
confidenciou, outro dia, que talvez devesse ter sido mãe e não foi. Quando
casada, disse, eles viviam de um modo tão independente e com uma vida tão cheia
de atribulações que ela nunca parou para pensar no fato. Hoje, com mais de 50
anos, ela se perguntou se fez a escolha certa. Contei isso ao meu amigo. E ele
disse que era algo a se pensar. Gostaria eu, daqui a 10 anos, de ter esse
arrependimento?
Não tenho ainda respostas a nenhuma de minhas
indagações. Outro dia – há alguns meses – me peguei pensando num futuro,
velhinha com meu velhinho e o Pedro grande, que me daria netos. Pensei naquelas
coisas de contos de fadas, de histórias infantis: felizes para sempre. Depois
de tantos encontros e reencontros, nos presentearíamos, daqui a alguns anos,
com o menino. E morreríamos velhos, juntos, com o guri crescido.
No tempo dos nossos pais era tudo mais fácil.
Como diria Renato Russo: o mundo anda tão complicado.
Comentários