Morrer duas vezes


A porta fechou e eu não vi, nem ouvi. Não sei se olhaste para trás ou não. Se quis dizer alguma coisa. Não lembro dessa cena. Apaguei da minha memória ou preferi não vê-la.
Lembro da gente fazendo as malas. Não lembro da chuva, não lembro da dor. Só sinto que quando aquela porta se bateu, eu perdi.
Nunca mais. Nunca mais colo, carinhos. Brincadeiras. Adeus infância...
Desde então tenho te buscado. Em cada rosto, em cada voz, colo que pedia manhosa. Te procurei um cabelos grisalhos. Em rugas. E sempre tu te repetias: ocupado demais para mim.
Um dia, sem te procurar, te encontrei. Ali, pedindo carinho. E eu te dei. E, naquele dia, a minha criança ressuscitou. Ah, como eu me divertia contigo! Ah, como dávamos risada! Teu colo me protegia. E eu te acariciava.
Mas tu eras muito ocupado. Sempre ocupado. E na tua ocupação, contigo mesmo, fechaste a porta. Não vi, nem ouvi. Só senti. De novo. Mataste-me sem saber. Mataste aquela criança...


Sampa
15/11/04

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