O adjetivo

As palavras saíram de sua boca com todos os adjetivos possíveis: os pensados, os não pensados, os não desejados. O silêncio do outro lado fez com que as palavras borbulhassem em sua boca. Durante algum tempo ficou escolhendo-as e, naquele momento, ruminava aquele silêncio e devolvia-lhe com uma explosão. As palavras saiam de sua boca como fogo. Fogo que outrora queimou o seu corpo.
As palavras explosivas quebraram o silêncio. E do outro lado vieram as palavras esperadas, mas não desejadas. Ela sabia o que aquele silêncio podia significar. Sabia que dele podia vir o que não queria. Mas também sabia que precisava quebrá-lo. Sim, as palavras não ditas, que lhe corroeram, agora saiam da sua boca. E diziam-lhe o inevitável.
As palavras do silêncio quebrado doeram-lhe. O silêncio estendido por dias espalhava-lhe uma onda de raiva. Engoliu o choro. Deixou escapar outras palavras, que ecoavam no ar, na intensidade do fogo que um dia lhe consumiu. Ecoavam trêmulas, denunciando o choro engolido. Calou-se.
A raiva que explodia em seu corpo e nas palavras que deixara ecoar, fez seus dentes rangerem e entre eles saírem a derradeira frase. Sem olho no olho. Saiu a passos firmes, quando por dentro cambaleava. Era uma fortaleza que escondia a fragilidade. O corpo explodia em raiva pelo silêncio por tanto tempo contido. Energia contida que se refletiria depois em dor física, para além da dor na alma.
O choro foi engolido. A lágrima contida. Menos a raiva. Ela explodia em um adjetivo que ecoava no ar. Adjetivo que outrora teve conotação positiva...
Seguiu o seu caminho. O corpo doía-lhe. Não havia mais explosão. Só dor. Então, chegou à padaria e ouviu da moça, que nunca a vira, o adjetivo que lhe resumia naquela hora. De que adiantou conter o choro e a lágrima, se eles estavam estampados em seu rosto? O adjetivo lhe soou como uma senha, para deixar o sentimento escorrer. Engoliu o choro, mas o pedido do pão saiu com a voz trêmula, denunciando-a. Os olhos encheram-se de água. A moça lhe perguntou se queria mais alguma coisa. Mais nada, era a resposta, que custou a sair de sua boca. Queria tanta coisa!
O caminho até o caixa foi torturante. Todo o sentimento contido agora lhe escapava... Ia engolindo o choro, segurando a lágrima que teimava em escorrer. Aquele adjetivo era passageiro. Mas lhe doeu. 

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