A mesa
Ela caminhava a passos largos. Não tinha pressa para chegar.
Estava adiantada. Nada começa na hora, não? À medida que se aproximava do
lugar, uma onda invadia o seu corpo. Um frio na barriga.
Chegou à frente do espaço. Um cartaz lhe lembrava de que
estava no lugar certo. Olhou no relógio: pontualidade britânica. Mas não era
bom chegar tão cedo, pensou... Antes de subir as escadas, quis fazer uma
oração. Aqui? Queria que tudo corresse em paz... Não a fez.
Subiu as escadas com passos firmes. Quantas vezes nos
últimos meses havia subido aquela escada? Sempre de mãos dadas a ele. Ia subindo
e cumprimentando um monte de gente desconhecida. Agora era diferente. A escada
estava vazia. E ele não estava ao seu lado. Foi percorrendo o espaço até
cumprimentar o moço da recepção. Ninguém até ali.
O frio na barriga aumentou. Seria só ela? Ela e ele? Estava ali
como um gesto de afeto. Como esteve, dias antes, em seu aniversário. Seria só
um carinho mesmo? Ou no fundo havia a esperança do reencontro?
Quando se separaram, ele lhe dissera que não tinha tempo
para estar com outra pessoa. Tempo, quem precisa de tempo para amar? Ela não
acreditou. Pensou que o motivo fosse outro e que poderia ser contornado. Os
dias se passaram, e ele lhe fazia falta. Falavam-se quase todos os dias e
noites. Para ele contava-lhe como havia sido o dia, o que fizera, etc. E, de
repente, não havia mais com quem compartilhar. Rompeu o silêncio, ligando-lhe
no dia do seu aniversário. E ele a convidou para a festa. Naquela noite,
ficaram em um estranhamento inicial, depois falaram de suas vidas como faziam
antigamente. Mas agora como amigos.
Amigos? Não, não estava preparada para ser sua amiga. Foi ali fazer-lhe um
carinho, afinal, era seu aniversário. Mas, no fundo, desejava mais.
Entrou no salão e antes de vê-lo, viu a moça desconhecida.
As pernas ficaram bambas. A boca secou. Caminhou na direção deles, cumprimentou
a moça e depois ele. Disse-lhe que veio dar uma passadinha, pois tinha outro
compromisso depois. Puxou um breve papo com a moça e sentou-se.
Escolheu uma mesa em que pudesse olhar o palco. Escolheu a
mesa que sempre sentavam. Mas agora ela estava só. E ele, lá no palco. Nos
últimos meses falaram tanto daquele dia. Ela queria estar ali com ele. Queria
prestigiar aquele momento. Mas queria ser a moça desconhecida. Queria ser ela,
com ele, no dia do show. Afinal, não era o show que lhe tirava o tempo?
A moça veio sentar-se com ela. Na mesa deles! Seria mesa
desse novo eles, agora? Ela gelou. À medida que o papo avançava, sabia cada vez
mais quem era ela. Sim, faltava-lhe tempo para estar com duas ao mesmo tempo.
Quis perguntar-lhe se ele já havia lhe dado o livro com os
poemas que agora apresentava no show. Quis dizer-lhe que ele a levaria ali
várias vezes, pois gostava daquele lugar. Quis dizer que ele lhe daria
coisas... Quis dizer-lhe que estava com ele, até ela chegar. Quis mostrar-lhe
quem era. Não disse nada.
O show começara. E o que parecia bom, agora lhe era uma
tortura. Olhava o celular. Havia marcado de se encontrar ali, com outra pessoa,
e de lá ir para o outro compromisso. O tempo, aquele ser que lhe maltratara,
era impiedoso: não passava. Pediu, então, uma comida. Quem sabe, ocupada, fosse
melhor. Olhava para ele, prestando atenção na musicalidade imposta às letras
que ela conhecia. Algumas ela gostava, de fato. Lembrava-se das histórias
contadas nestas letras. De canto de olho, percebia a outra. Ela olhava-o
atenta. Eram as duas, apaixonadas, a lhe admirar. Nada melhor, para alguém que
está no palco.
Um filme lhe passava pela cabeça. E ela engolia em seco as
lágrimas que queriam sair. A comida e a companhia chegaram quase ao mesmo
tempo. Apresentou a moça. Quis dizer: esta é a nova paixão dele. Não disse. Fez
de conta que tudo era normal. Não era. Percebeu que em alguns momentos a moça
lhe dava um sorriso. No fundo, ela sabia quem era ela. Mas agiram como se não
soubessem.
Comeu devoradamente. Tinha pressa em ir embora. Não que
estivesse na hora. Já havia lhe passado o tempo de correr dali. Antes de ir,
passou pelo banheiro. Olhou-se no espelho: mas que ridícula! As lágrimas
teimavam em querer sair. E ela engolia o choro. Por que fora se apaixonar por
ele? São tão diferentes, quase que como água e vinho. A moça, sim, deve ser
mais adequada, pensou. Ah, no fundo, isso era dor de cotovelo!
Voltou ao salão, se despediu dela, acenou a ele e se foi.
Desceu as escadas muda. Seguiu seu caminho até lembrar-se que havia deixado as
luvas. Pensou: volto? Estava frio, ia precisar das luvas... Voltou.
Quando ela entrou no salão, ele terminava uma canção. Pegou
as luvas. Ficou pensando: eu não ouvi aquela que mais gostava, a que diz: vais
sair sem me dar um beijo? Sim, as despedidas às vezes são sem beijo...
Ele, do palco, lhe agradeceu a presença. Deu vontade de lhe
dizer: obrigada pelo constrangimento. Mas não havia culpa. Ela tinha ido ao
encontro dele. Ela tinha ido fazer-lhe um carinho. Para que, se ele não pediu?
Verdade que a convidou para o show...
Saiu dali de novo, com os passos firmes, na certeza de que
nunca mais. Não havia mais motivo para lhe dar carinho. O tempo estava estampado
naquela mesa. Engoliu o choro mais uma vez e caminhou sem dizer nada. Lá pelas
tantas, puxou um assunto qualquer, precisava falar para não chorar. E falava,
falava, falava... Porque enquanto estivesse ocupada falando, não haveria
lágrima para escorrer no seu rosto. Foi então para o compromisso principal.
Queria contar à outra o que tinha se passado. Talvez ela já
soubesse. Seu rosto devia estampar. Mas sabia que se contasse, as lágrimas iam
correr pelo seu rosto. Aquelas mesmas lágrimas que ela havia segurado até
então. As mesmas lágrimas que ela segurou no dia em que ouviu o que não
gostaria de ter ouvido. Aquelas lágrimas que, naquele dia, escorreram
vultuosamente no caminho para casa. E que mais uma vez eram represadas.
O outro compromisso também era um show. E ela contava os
minutos para que ele começasse. Assim não tinha tempo de pensar naquela mesa. E
quando o show começou, por diversas vezes, as lágrimas começaram a descer pelo seu
rosto, uma a uma, mas ela segurava. E segurou até o fim. E quando o show
acabou, tudo o que ela queria era o seu travesseiro, para nele deixar as
lágrimas escorrerem. O tempo, sim, o tempo lhe sobrou naquela noite. O tempo
não passava e as lágrimas no travesseiro escorreram por muito tempo. E tempo
não passava. Sobrou-lhe tempo. E o dia amanheceu.
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