As canções que a gente ouviu

O ano era 2009. Não lembro há quanto tempo que eu tinha o (então) novo Cd do Kleiton e Kledir (Autorretrato). Como quase sempre, quando ouço discos novos de artistas que gosto, escutava-o sem parar. Até que, um belo dia, prestei atenção a uma canção. Ela dizia: “se eu tivesse vivido um só dia com você, guardaria comigo a fotografia, só pra te ver”. 




Ela me doeu. Pela primeira vez, em anos, eu voltei a ter aquela dor: a do não vivido. Hoje eu sei que, naquele momento, me religuei ao passado. E, talvez, tenha feito inconscientemente aquela pessoa se religar também. Não que estivéssemos separados para sempre, pelo contrário, éramos confidentes. Ele sabia tudo de minha vida, mesmo à distância e, por vezes, até aconselhava. Por causa daquela canção, produzi um texto, que publiquei anos depois.
Engraçado, por conjunções dos cosmos, eu estava em um momento do não vivido. Havia sonhado com alguém também muito especial, com quem troquei emails, para ver se estava tudo bem. Os não vividos nossos ajudaram a romper com o vivido (verdade que depois nós voltamos a ficar juntos, apenas para ter certeza de que nunca nos completaríamos).
Como em outra canção, que um amigo de Pelotas gostava muito (e que me lembrava da mesma pessoa do “Só pra te ver”), o tempo passou... reencontramos-nos quase um ano depois e eu fiz de conta que não o vi. Talvez, inconscientemente, sabia que não devia me religar (mas já estava e não o sabia).
Desde aquela canção até o dia em que nos reencontramos, de fato, foram quase três anos. Eu havia tido coragem e publicado o texto. Foi isso que o fez se religar a mim? Olhamo-nos nos olhos e tivemos saudade de um passado. E do não vivido. Ali selamos, sem saber, a religação. Há quanto tempo não nos olhávamos nos olhos? Cinco, seis, sete anos?  E se vivêssemos o não vivido? Não nos perguntamos, mas, no fundo, esta questão permeou nossa religação, que se tornou quase cotidiana, mesmo que à distância.
Eu e ele passamos a andar em círculos, a chegarmos perto e quase nos tocarmos... Ficamos assim até o dia em que tivemos coragem de falar do passado. E quisemos (ou só eu quis?) revivê-lo. E, mais que isso, viver o não vivido.
Outro dia ouvi a canção que um dia ele deixou na minha secretária eletrônica. Imediatamente, pulei a canção. “Eeu te recriei só pro meu prazer”. Tive raiva. Só por prazer? Só por ego? Tocar no passado, lembrar-se do não vivido, era com a intenção de se ter certeza de ter sido amado? Fiquei pensando nisso, naquele momento. E lembrei-me de outra canção, que um dia ele também me falou. “A obrigação da tua voz era estar aqui, no ouvido do meu coração”. 


Quando eu morava longe (há anos que moro longe), lá atrás, um dia ele me falou isso. Agora, mais uma vez eu estava longe, apesar de querer estar perto, e desejava que ele também quisesse o “ouvido do meu coração”. Mas não. Por um momento, pensei que fosse medo. Durante um ano convivi com esta hipótese. Até o dia em que as máscaras caíram e eu descobri que o meu amor foi platônico. Ele nunca foi o que eu imaginei (e talvez eu também não o fosse). Fiquei pensando na história da reencarnação: tem criança que mal nasce e já morre. Só tinha mais isso a cumprir. O nosso reencontro teria sido isso?
Um dia tudo isso voltará a ser passado. Infelizmente, ainda não o é. Tirei a pessoa de todos os meus contatos, troquei de telefone, tudo para que nunca mais nos encontremos. Mas Freud explica: enviei um email para uma lista em que a pessoa ainda estava (como, se eu havia o deletado de meus contatos?)...
Esses dias, vi uma foto da pessoa. Mais uma que confirmava o que ele negou, quando nos vimos a última vez. Fiquei pensando: por que a negação? Foi exatamente a certeza e sua fala contraditória que me fizeram chegar à conclusão do holograma.
Hoje, ouvi uma música do Fito Paez – como voltei a fazer espanhol, estou ouvindo muitos cantores hispânicos – que me lembrou deste passado. Da promessa de felicidade.



Um dia, tudo isso será apenas história...

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