Ah... seu eu tivesse


Até hoje ela se lembra daquele dia. Da roupa que vestia, dos acessórios, do perfume, da atmosfera. Tanto tempo depois e uma música a leva para aquele lugar do passado...

Estava em um coquetel. Servia-se e percebia que estava sendo observada. Olhou de canto e comentou com a amiga sobre o homem que as olhava. Minutos depois, enquanto elas bebiam, ele se aproximou. Vinha com uma conversa amena, sobre o motivo que os levaram ao coquetel. Ela, uma jovem menina-mulher, imaginou que o interesse dele era pela amiga, mulher feita. Mas seguia a conversa.

Mesmo achando que ela não era a escolhida, interessa-se por ele e, quis o destino que, a partir daquele dia, se encontrassem sempre, nos mais diversos cantos da cidade. Onde quer que fosse, quando menos esperava – ou até mesmo acreditando nisso – ele surgia à sua frente.

Aquele encontro mudara a sua vida, mesmo que naquele momento ela não soubesse. O fato é que muitas de suas decisões vieram a partir daqueles olhos que impregnaram sua alma.

O vento, de chuva, os separou. De repente, não mais se viram. Os cantos da cidade já não se cruzavam e o coração palpitante seguia, na esperança de um dia vê-lo surgir novamente. “Ah, se eu tivesse...”, ela pensara (sem imaginar que o mesmo se passava do outro lado).

Ele havia sido, então, apenas uma brisa? Daquelas que vêm alegrar um dia, refrescando o verão escaldante, mas que depois deixa tudo no seu lugar, como antes? “Foi um vento que passou”, dizia uma música do passado. A canção lhe soava ao ouvido desde o dia em que o ouviu, com o seu sotaque indefectível, dizendo que o vento que soprava, naquele domingo à tarde, era de chuva.

Anos mais tarde, se reencontraram, como que num susto. Para ela, de fato foi. Fugia, em vão, daquele palpitar do coração e, de repente, ele estava à sua frente e disse que precisava muito falar com ela. Anos de espera... Mas cada um tinha a sua vida, e dela não abriria mão. A chuva caia no seu ritmo certo...

“Eu gostaria de poder te pedir para ficar”, disse, dentro de um carro, na hora da despedida, sabendo que não mais morariam na mesma cidade.  Seus destinos não se cruzariam. Ela encontrara abrigo em outro porto e migrava para lá. Outros ventos a chamavam...

“Por que não pediu?”, ela pensava, em lágrimas. Até aquele dia, aquela paixão não fora vivida. E, se ele tivesse pedido, talvez concretizassem. “Ah, se eu tivesse...”, ele pensava longe. E um temporal caia sobre suas cabeças...

O seu coração tinha certeza de que um dia eles ficariam juntos e viveriam tudo aquilo que desejavam. Tinha lido muitas histórias infantis, com final feliz, e acreditava que, com eles, não seria diferente. O vento, de chuva, os reaproximaria. Como num conto de fadas, tinha certeza de que ele era o amor definitivo, o da vida todo, o grande amor.

Caprichoso, o destino o colocou diante de seus olhos mais uma vez, longe do mundo, naquele lugar que ela escolhera para viver. Uma brisa suave soprava. Mais uma vez queriam consumar a paixão sem abrir mão de suas vidas. “Não se pode ter tudo do jeito que se quer”, dissera-lhe uma vez. Mas ela queria o sonho completo, não pela metade! O vento então se transformava. “Ah, se eu tivesse...”, os dois pensaram depois daquele encontro que os transtornou.

Seguiram então suas vidas, aquelas das quais nenhum dos dois abriria mão. Restava-lhes apenas o sonho. De longe, ela lhe acompanhava telepaticamente, velando seu sono, sendo seu anjo da guarda. Anos mais tarde descobriu que ele também a cuidava. E sabiam um do outro, sem precisarem telefonar ou escrever cartas. Nada. Cada um pressentia quando o outro precisava de conforto.

Pensava nele dia e noite e esperava pelo dia do “felizes para sempre”. Velava-lhe em brisas, ventos, tempestades. Sempre soprando suave em seu ouvido, dizendo-lhe o que quanto lhe amava.

A vida corria e, com o tempo, a espera lhe doía. Os anos passavam e eles não tinham coragem de se entregar aquele amor. E não se reencontravam.

Era preciso cortar o cordão umbilical. A separação era inevitável para que a dor passasse. Era preciso parar de sonhar. E viver!

Pediu que o vento cessasse e não os levasse nunca mais para perto um de outro. Deixou então o coração serenar. Ele seria apenas uma brisa, que passou, mas não ficou.  E a dor, então, se foi.

“Nunca mais é muito tempo”, disse-lhe um dia. Ela pensava que nunca mais se veriam, que não mais saberiam um do outro. Seguiram seus destinos, separados. Com sonhos diferenciados...

Anos mais tarde, se reencontraram, mais uma vez. Suas vidas haviam sido refeitas e desejos diversos não mais os uniam. Não viveram a vida, em comum, que um dia quiseram. Deixaram o tempo passar e ele foi cruel. A certeza do futuro de outrora agora se transformava na certeza de que nunca mais. “Ah, seu eu tivesse”, pensavam. Mas diante da realidade sabiam que tudo tinha passado. Que, no presente, um era o passado do outro e não o futuro.

Nunca mais o grande amor de sua vida. Nunca mais pelo simples fato que o amor se transformou...

Durante muito tempo ela sofrera com o que queria e não tivera. Imaginava a vida dos dois, se tivesse vivido – mas não viveu. Ficaram as lembranças da vida querida, dos instantes de felicidade, que voltam com alguma música do passado.

Sem dor, cada qual com a sua vida, às vezes pensa: “Ah, se eu tivesse...”. Restaram doces lembranças de um amor que nunca foi vivido na sua plenitude. E o vento, de chuva, a regar seus corações.

Os dois deixaram na vontade a vida que um dia quiseram ter. Seguiram suas vidas, primeiro na certeza de que sempre se reencontrariam e um dia viveriam aquele amor. Hoje, na certeza de que sempre terão um ao outro. Longe, mas perto, porque sempre se amaram (e amarão). Toda a noite, quando o vento sopra, cada um sabe que é acariciado pelo outro. Seu anjo da guarda. Eterno amor, como um dia ela pensara.


(Sampa, dezembro de 2009)

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