Pontuações
Era 10 de setembro de 1996 e, naquela noite
fria, teus olhos me viram pela primeira vez. E eles me chamaram: olhei de canto
de olho, te vi e sorri. A partir de então, meus olhos passaram a te buscar. Em
vão? Ficamos nas reticências.
Um dia, nossos olhos, enfim, se encontraram. Buscavam
uma exclamação. Pensávamos que era apenas aquilo, aquela noite e ponto final.
Pensávamos que consumiríamos o fogo e nos consumaríamos. Mas descobrimos que
não, que queríamos reticências com muitas exclamações. Só que, no fundo,
tínhamos medo da vida lá fora, do mundo fora daquela paixão. E insistíamos em
reticências, pontuadas por algumas vírgulas e travessões.
Até que, naquela noite quente de verão, eu
pedi que tu não mais me olhasses. Eu ainda
tinha um resto de juventude para viver, longe de ti. Dava um ponto final. Então, eu fiquei cega e como
Édipo saí pelo deserto a tatear, buscando algum abrigo. Confesso que encontrei
e me senti salva. Nunca mais tu me farias sofrer.
Mas não sabíamos que não passavam, mais uma
vez, de reticências. E teus olhos, de novo, me buscaram. Então, há sete anos, nossos olhos se reencontraram e se olharam. Mas estavam talvez opacos
demais e não se reconheceram. Tu parecias o mesmo homem de quase uma década
antes e eu não era mais aquela menina de outrora. Demo-nos, de novo, um
ponto final. Agora, quem sabe, o definitivo. Procuramos outros olhos, nos
perdemos em alguns olhares, choramos por outros.
Até que, no último inverno, teus olhos me
buscaram como já haviam feito outras tantas vezes. E os meus olharam surpresos. No fundo dos teus olhos eu vi os últimos
16 anos. E saí daquele encontro com uma grande interrogação. Desde aquela noite de verão, há uma década, eu nunca mais sofrera
por ti e também não mais imaginara o que não foi ou o que poderia ter sido.
A partir daquele fim de dia do último inverno, meus olhos buscaram
óculos que pudessem melhor enxergar o passado.
E eles se lembraram daquela noite fria em que o teu olhar queimou o meu
pescoço e me provocou um arrepio, da noite em que teu olhar fez o meu te buscar. Nunca mais eu senti aquilo... Com toda certeza, eu só brinquei de buscas, eu
nunca mais busquei de verdade porque naquela noite não foram somente olhos que se viram, eram almas que se reencontravam.
Porque desde o dia em que tu me aconchegaste em teus braços e acariciaste a
minha mão eu me senti segura. E talvez o resto da vida eu me sentisse assim,
segura, ao lado teu. Mesmo que este ao lado fosse muito distante.
Então, depois daquela noite fria de inverno, primeiro
com a urgência da juventude, no mesmo inverno, e depois com a timidez da menina
de outrora, no fim da primavera, meus olhos te procuraram. Mas não te
encontraram. Foi apenas uma faísca tua naquele inverno? Uma saudade do que não
foi?
Faz dez anos que eu pedi que tu saísses de
minha vida. Mas não saímos, seguimos em reticências. E, pela primeira vez,
neste período, estou cheia de interrogações, talvez buscando exclamações.
Será que viveremos sempre eternas
reticências, apenas reticências, sem outras pontuações? Estou cheia de
interrogações, mas gostaria, com toda a sinceridade, que se transformassem em
outras pontuações, sem reticências. Devíamos deixar apenas que os nossos
olhares se buscassem, como naquela noite fria de setembro. Que um olhar
chamasse o outro e eles se entendessem, sem palavras escritas ou faladas. Que
os nossos olhares se reencontrassem e dessem as pontuações daquele amor. As
pontuações que hoje ele merece. As pontuações que nós dois podemos dar hoje,
sejam elas quais forem. Apenas dois olhares se olhando. Mais nada.
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