Adeus ao velho casarão da Azenha



Era 1995. Não lembro se fazia frio ou calor. Só lembro de sentar naquela cadeira, perto da goleira do Largo dos Campeões. Era a primeira vez que eu pisava em um estádio. Era a primeira vez que via, ao vivo, um jogo de futebol. Era a minha primeira vez no Olímpico.
Lembro-me que minha irmã me acompanhava e reclamava. Sim, para ela, naquela época, eu fazia muito fiasco. A cada lance importante, a cada quase gol, eu levantava e gritava. Carlos Miguel e seus cabelos de anjo era o nome que mais gritava: Vai, vai, vai Miguelito!
O placar? Contra quem? Não lembro. Mas era Libertadores. Engraçado como apaguei tudo de minha memória e só deixei os meus gritos e as reclamações de minha irmã... Penso que ganhamos, afinal, fomos campeões da Libertadores naquele ano.
Dois de dezembro de 2012. Uma tarde quente de domingo em Porto Alegre. Um céu azul, sem nuvens. E eu lá, mais uma vez, sentada em uma cadeira no gol do Largo dos Campeões. Desta vez, devidamente trajada: com a camisa retrô comemorativa ao Mundial de 83. A camisa do Renato Portaluppi. Eu e minha irmã, de novo.
Assim como há 17 anos, eu levantava e gritava em lances importantes – mas desta vez eles eram mais raros e (não sei se por isso) minha irmã não reclamava de eu fazer fiasco.
Aquele domingo era novamente uma primeira vez: meu primeiro Grenal. Em 17 anos, nunca tive coragem de ir a um clássico. Jogo tenso, com possibilidade de briga de torcida...
Mas aquele domingo também era a última vez. Era o último jogo no Velho Casarão da Azenha. E porque era o último jogo, a última vez que eu pisaria naquele estádio, não importava se era clássico ou não. Importava que eu estava ali para me despedir.  
Como o esperado, foi um jogo tenso. Expulsões e confusões e, de repente, no meio da confusão, antes dos 90 minutos de jogo, o árbitro levantou os braços e apitou. O jogo ficou inacabado e nós, torcedores, perplexos.
Olhava o campo pela última vez. Os funcionários arrancavam as redes. Como assim, levar um pedaço do nosso estádio, na nossa frente? Doía, mas talvez estivesse anestesiada... no dia anterior, lembro que passei em frente ao estádio e vendo a massa tricolor invadi-lo para ver o último treino, chorei.
Ninguém arredava pé e eu que não queria ser a primeira. A torcida da Geral cantava e o resto do estádio acompanhava. Até que começou a tocar nos altos falantes “Eu sou do Sul, a minha terra tem um céu azul” e o telão do estádio mostrava a imagem aérea da nossa casa, o céu azul – sem uma nuvem – de Porto Alegre. Nós sabíamos onde aquela imagem ia acabar... E as lágrimas, contidas pela anestesia, começaram a escorrer pelo meu rosto. 
Sobrevoando Porto Alegre, a imagem nos levou para a nossa futura casa. E quando a Arena apareceu na tela, a torcida gritou. E eu caí em pratos. Chorava como quando perdemos a Libertadores para o Boca. Chorava, sem vergonha, sem medo do ridículo ou do fiasco. Chorava sentada naquela cadeira, enquanto minha irmã, em pé, parecia segurar as lágrimas... As minhas escorriam como uma cachoeira.
E então, em meio àquela imagem, a Geral começou uma avalanche e o estádio todo repetiu, como fazíamos antigamente, gritando ola. E o choro se misturava com um arrepio. Meu corpo todo era Grêmio. Meu corpo todo era aquele instante mágico. E o olhar perdeu-se no infinito. Era a última vez. 
E o hino riograndense nos chamava para fora, a nos lembrar que tudo o que vivemos ali deve servir de lição para a nova casa. E eu, em pé, como que diante de um templo, com todos os meus pulmões cantava – como se quisesse ser ouvida por aquela multidão – “sirvam nossas façanhas de modelo a toda a terra”. E sentei, pela última vez. Perplexa, anestesiada. Olhei ao meu redor, como se não acreditasse que estava ali, vivendo aquele momento histórico. Minha irmã me olhou e disse: vamos. “Mas ninguém vai”, eu disse. E estiquei as pernas, depois joguei em cima do banco da frente e olhei pro céu azul que começava a anoitecer. Olhei para o Grêmio Campeão do Mundo, que eu enxergava invertido. Olhei para todos e vi que muitos começavam a deixar o estádio. Não havia mais nada a fazer.
Mas o jogo não acabou...

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