Aparição


Ela estava distraída, tagarelando enquanto olhava o mural e, como não podia deixar de fazer, sapateava ao ritmo de sua fala. Foi quando ele apareceu, na porta. Usava um colete azul e parecia um astronauta. A cor combinava com seus olhos claros e o deixava mais reluzente.

Quando o viu, do outro lado da sala, ela escorregou e caiu. Não esperava reencontra-lo desde aquela tarde quente – ou será que era ela que sentia calor ao seu lado – e tumultuada, em que esqueceram o mundo ao redor e conversaram sobre amenidade que, no fundo, eram coisas valiosas para os dois e que, sem saber, tinham em comum. Na mesma velocidade em que seu coração batera naquele instante de surpresa e naquela tarde, ela levantou, com a esperança de que ele não tivesse percebido o estrago que sua presença provocara. É verdade que já tinham se visto uma vez, antes daquela tarde quente e tumultuada. Mas ela nem o notara: seu tipo físico e seu modo de se vestir não o chamaram a atenção. Bem diferente da tarde do encantamento, quando vestia uma camisa rosa e trazia no rosto um largo sorriso.
Se ele percebeu o que acontecera, não comentou. Chegou ao seu lado e falou sobre algo que estava no mural. Em seguida, o convidou para ir à feirinha. Mas ela estava acompanhada e tinha de voltar com quem a trouxe. Enquanto seu coração dizia: vai; a razão lembrava que não. Enquanto caminhavam até a porta, conversavam meio sem jeito. Os dois sabiam que aquela era a hora. Que talvez não se repetisse.
Todos os que estavam com ela também saíram da sala naquele momento, em direção ao carro. Os dois caminhavam para a saída e, neste momento, ele tentou mais uma vez: email, orkut, msn, tudo o que a tecnologia de hoje pode oferecer. Naquela conversa que é falada no caminhar e, portanto, não é concluída. Como quem embarca em um navio e não volta, ela se foi, com o perfume dele nas mãos e no rosto.
Mais tarde, soubera que poderia ter ido. Mas agora era tarde: restava apenas o cheirinho que ficou da lembrança da imagem que nunca mais se repetiu.
Porto Alegre, julho/09

Comentários

Leandro disse…
A vida nos enche o caminho com dilemas.
Mari Walcher disse…
quem?

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