As voltas



Nos últimos cinco anos tenho visto diversas voltas. Eu voltei para Brasília. Meus amigos e amigas, para Porto Alegre. Primeiro a Adriana, depois a Mari. O Marcelo. E a Tatiana, a Denise, a Elaine, entre algumas pessoas que conhecia. E, agora, o Rafa. Todos fazendo o caminho de volta. Verdade que nesse período outros saíram, mudaram-se de Brasília para o Rio, de Sampa para o Rio, de Sampa para Joinville, de Porto para Brasília... Ano passado uma ex-colega de faculdade voltou. Tinha ficado 14 anos fora. Estou há 15 anos fora de Porto Alegre e 14 do Rio Grande. Recentemente, outro conhecido voltou, depois de 13 anos. De Sampa para Santa Maria e publicou, no Facebook, uma canção gaudéria (Tô voltando pra ficar):



Esta noite encilho o pingo e eu sei que eu vou chegar,
Pra beijar minha mãe velha minha prenda e meus piás.
Com meu pai vou jogar truco na sombra de uma figueira,
Tô distante da campanha não posso mais agüentar.
Vou rever os meus amigos tomar um trago lá na venda,
Mandar a saudade embora eu tô voltando pra ficar.
Tô voltando pra ficar,
É aqui a minha terra,
É aqui a minha vida,
É aqui o meu lugar.
As coisas simples da vida o gaúcho nunca esquece,
Quando estou longe do campo esse meu peito padece.
Hoje volto pra Querência minha terra abençoada,
Só assim alegria emudece as minhas mágoas.
Quando chegar na porteira e a família me avistar,
Quero então gritar bem alto tô voltando pra ficar.


E por que voltaram? Gaúcho tem uma coisa de ir e sentir saudades do Rio Grande. A querência parece sempre o melhor lugar do mundo. Confesso que quando fui, não imaginei que um dia ia querer voltar. Queria rodar, rodar, rodar... E, naquela época, não havia mais crescimento profissional pelo RS. Queria mais. Mas o certo é que, muitas vezes, me peguei com uma saudade infinita e vi diversos amigos ou amigas dizendo: um dia volto. E eu pensava: não volta.

Meus amigos e amigas voltaram pelos mais diferentes motivos: cansaram do que faziam, queriam estar perto da família, precisavam estar perto, não aguentavam estar longe ou nunca quiserem sair. E tem aqueles que nunca voltaram, ou até hoje não, mesmo querendo. Porque se acomodam, porque mudança dá trabalho, porque toda mudança é um recomeço.

Conheço alguém que ficou 10 anos fora, construindo sua volta. E voltou. Deu-me inveja. Foi paciente, foi trabalhando como uma formiguinha. E agora está em Porto Alegre, fazendo o que sempre quis.

Quando morava em Sampa, almejava voltar para Brasília. Para mim, a capital federal é o melhor lugar (que conheço) para se viver. Sim, melhor até que Porto Alegre. Tem um céu lindo, hoje uma vida cultural interessante, e um clima melhor que os extremos gaúchos. Voltei há cinco anos pensando que de lá não sairia mais. Mas, um dia, fiz um concurso para o RS. Passei, com uma classificação não muito boa. A partir dali comecei a repensar o meu lugar.

E de repente, neste repensar, vim parar na Bahia. Saí de Brasília, rumo a Salvador, ouvindo a mesma canção que, dias antes, uma pessoa tinha falado para mim ao telefone: “Confissão”, do Nei Lisboa, na certeza de que: “E eu tenho o sol guiando o meu caminho”.  Mas o sol é quente, é tórrido, é árido... Já conhecia Salvador (e não gostava), mas sabia que era uma estada rápida... Não foi. Emendei o Mestrado com o Doutorado. E prolongar a estada significou querer voltar...



Lembro-me que, quando fui, uma amigona falou: você não vai gostar. Não é simplesmente não gostar. É não se adaptar. De todos os lugares em que vivi, a Bahia é, sem dúvida, o mais difícil. Fico pensando: onde foi que errei? Eu, que morei em tantos lugares, que me adaptei, por que não consigo agora? Ou onde estou errando?

Sair sem se saber quando se vai voltar talvez seja o mais difícil. Fui para Sampa para ficar quatro anos. E voltaria a Brasília. Fiquei seis. E voltei. Vim para a Bahia ficar um ano. Ou dois semestres, como eu dizia.

Verdade que, com o tempo, a dor precisa passar, para que vivamos. Outro dia conversei com alguém que fez o caminho inverso e confessei: chorava todos os dias, no início. Mas sei que vim aqui para aprender. 

E, assim, vou vivendo (ou sobrevivendo). Aprendendo... com dificuldades, mas, sim, sendo grata. Afinal, esta terra me deu um Mestrado e, em breve, um Doutorado. Sempre irei agradecer por isso. Bem ou mal, estou no programa de pós-graduação em Artes Cênicas com a maior nota do país. E tenho como orientadora uma bambambam da área de dança. Mas isso não significa, de modo algum, que aqui ficarei para sempre.

Voltar... Verbo intransitivo, não exige complemento. Voltei. Simplesmente. Mas se pode colocar o adjunto adverbial... Voltei a... Ou pode ser transitivo, quando significa virar-se. Voltar-se, como no texto abaixo. Quem volta, volta, para algum lugar, para alguém. Volta. Mas voltar nunca, nunca, é para o mesmo lugar. Não somos os mesmos, quando voltamos, nossos amigos também mudaram – em Brasília, muitos estavam casados e já não tinham o tempo de outrora para mim. Voltar, sem dúvida, é sempre recomeçar. E dá trabalho. Mas vale a pena. E, talvez, o mais legal, é todo o trabalho, todo o planejamento, todo o viver da espera da volta. Mesmo que a volta não seja uma volta. Que seja um começo. Ou um recomeço. E, então, chegar ao lugar amado, beijar seu chão e dizer: eu consegui.


(Há meses reflito sobre o tema e escrevo um pouco... depois de algumas revisões, resolvi publicar)

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