Reserva de mercado
Por ti eu fugi. Mas tu nunca pediste
pra eu voltar. Nunca tiveste coragem. Tu não querias carregar este fardo. Mas
não sabes que és o responsável pelo que sou? Então por que o medo do que nos
faria felizes?
Por ti eu fui e seria capaz de
voltar. Mas parece que não queres. Tu queres fugir e acreditas que me
encontrarás em tua rota. E se eu não estiver lá, terás coragem de me buscar ou
me deixarás longe de ti?
Enquanto tomas teu vinho, esperas
que a vida nos reencontre. Mas apenas uma vez ela nos fez encontrarmos: no dia
em que nos conhecemos. Era um reencontro de almas, que já haviam estado juntas
antes. Talvez por toda a eternidade se procurassem e, naquela noite, apenas com
o olhar, se reconheciam.
Como vês, não é a vida que nos fará
nos encontrarmos. Se ficamos diante um do outro fazendo confidências, era
porque procuramos por isso, porque queríamos. A vida não nos levou àquela
noite. Ela nunca nos levará para o mesmo lugar. Cabe a nós o re-encontro.
Tomas teu vinho e ele te dá coragem para
confidências. Somos o grande amor um do outro. Mas, infelizmente, nunca vivemos a dois este
sentimento. Agora podemos: basta querermos. E por que dois seres que se amam
não quereriam?
Eu quero ficar contigo, disse-te. Tu
calaste. Meu coração ficou aos pulos enquanto eu te abraçava e lentamente tu
foste acalmando-o. Tu tens o poder de me acalmar. Engraçado como tua serenidade
me contagia. Mas, infelizmente, tu não só me acalmaste. Dia a dia tu foste
matando a paixão arrebatadora que se agigantava com aquele reencontro. Tinhas
certeza de que restaria apenas o amor sereno e maduro... porque, afinal, eu era
a promessa da felicidade. Mas não consegues prometê-la.
Matas a paixão e matas, ao mesmo
tempo, a esperança de um dia nos encontrarmos. Pedes que eu siga a vida. Por
que não segui-la contigo? Sigo a minha vida e ela me leva para mares distantes
e tu olhas o navio zarpar, sem esboçar um único sentimento. De novo. Segura o
teu vinho na mão, sorve-o.
Tu tens a certeza do que o futuro
nos reserva. Eu tenho a certeza de que se não for agora, não será mais.
Estaremos tão longe daqueles que nós fomos que talvez não faça mais sentido nos
encontrarmos. Ou quem sabe teremos encontrado substitutos ao nosso amor, que
nos forneçam apenas o que precisamos para viver, nada mais. Sem sobressaltos.
Sem encontros de almas. Eu te pergunto: por que não agora? Tu bebes e te calas.
Queres-me apenas se eu estiver na
tua rota de fuga. Não precisamos de fugas para estar juntos. Se sempre
estivemos perto um do outro, mesmo distantes, por que não estarmos juntos,
apesar de longes?
Tu foste o responsável por tudo
isso, mas não consegues responder às minhas indagações. Esperas, com a taça na
mão. Acreditas que o dia em que quiseres, poderás ir até a tua adega e buscar o
melhor vinho, o vinho prometido, a tua felicidade. Verdade que os vinhos mais
velhos são mais gostosos. Mas eles têm prazo de validade. Teu vinho pode virar
vinagre.
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