O avião


Era um domingo de outono e o sol brilhava lá fora. Um belo dia, sem turbulências, para pegar o avião. Um belo dia para chegar ao avião.
Parecia apenas mais um domingo, mas aquele era o último no solo em que ela nasceu. Depois daquele dia, sua terra seria apenas visita. Mas ela não sabia que seria assim.
Domingo era dia de fazer passeios típicos. Domingo era dia de tradição. E nada como se despedir da sua terra num domingo, num programa dominical. Acordou à hora de sempre para os domingos. Mas aquele era diferente. O primeiro depois de um ano em outro lugar e o último no seu estado natal. Por isso, queria curti-lo até o último minuto.
Foi para o seu passeio, onde encontrou os amigos. Tomou o mate amargo, ao gosto do exílio forçado. Despedia-se deles, sem saber que seria por muito tempo. Estava fugindo, refugiando-se em nova casa, numa terra distante, árida e desconhecida. Partia para o desconhecido sem imaginar que se apaixonaria por ele.
O coração estava arrebentado, mas ela tinha consciência da necessidade de ir. O ar frio já não lhe fazia bem há muito tempo. Precisava de outros ares. Longe de tudo para, quem sabe, um dia poder voltar a respirar.
Voltar. Partia acreditando que um dia voltaria. Era só um tempo para o seu coração se aninhar... Doce ilusão. Os planos seriam refeitos e voltar talvez não lhe doesse mais ou talvez até não fizesse mais sentido...
Voltar. Queria voltar ao tempo, à noite do coquetel. Por que mesmo tinha ido? Era ela a causadora de sua dor. Já fazia tanto tempo que tinha sorvido daquela bebida, mas ela ainda lhe fazia mal. Porque se embebedou de amor, ela partia.
Fez seu passeio, pensando na despedida forçada, cada minuto era aproveitado ao máximo. E o dia lindo, deixava com que o momento fosse mágico. Encontrou-se, então, frente a frente com a despedida mais dolorida para o momento. A derradeira e definitiva. Eles não sabiam, naquele instante, o quanto este dia era importante para o resto de suas vidas. No fundo, imaginavam que era uma ausência longa, a tempo de se recuperarem, mas que um dia os dois estariam ali, no mesmo solo, e ficariam juntos. Era o desejo verdadeiro dos dois – mas nenhum deles sabia ao certo. Quis o destino que as rotas fossem trocadas e o avião fosse definitivo.
Lado ao lado se olharam pela última vez – mais tarde se veriam de novo, com outros olhos. O que sairia de suas bocas? Conseguiriam falar sinceramente o que sentiam? “Eu gostaria muito de poder te pedir para ficar”, disse-lhe o moço do coquetel. Tudo o que ela queria, naquele momento, era que, como nos filmes, ele a impedisse de entrar naquele avião. Tudo o que ela queria era que ele a pedisse para ficar. Mas não o fez.
Aproveitou os últimos minutos em sua terra natal, curtindo os amigos e seres amados. Despediu-se de todos. Era chegada a hora. Olhava para o saguão do aeroporto como que a perguntar: onde está que não vem me buscar?  Subiu as escadas daquele avião com a certeza de que não seria resgatada. Mas com a esperança de que um dia haveria uma volta. A definitiva.
Passados tantos anos, aquele dia ainda lhe é vivo na memória. Lembra-se do sol naquela tarde de domingo outonal. Lembra-se do choro compulsivo no avião. Lembra-se da chegada ao avião. Lembra-se de um amor definitivo e definidor...
Dentro do avião, não sabia que um dia o espelho dele no olho do ser amado seria a sua felicidade. Nunca imaginou que o avião a faria outra mulher. Nunca pensou que o avião lhe transformaria tanto.
Em boa parte da viagem para a terra desconhecida, ela chorou. Lembrava-se da noite do coquetel. Lembrava-se do sotaque indefectível. Lembrava-se do dia em que decidiu fugir. Lembrava-se do exílio naquela cidade fria. Lembrava-se do medo de voltar. Lembrava-se da imensa dor que ela sentia. E da necessidade de se recuperar.
Sem turbulências, o voo chegou ao seu destino final. No aeroporto, ninguém a esperava. Naquela imensa solidão na terra estrangeira, desceu titubeando, olhando tudo e pegou um mapa da cidade. Entrou no táxi, rumo ao hotel. Disse-lhe um endereço que não lhe dizia nada. E ficou com a janela aberta a admirar o desconhecido. As lágrimas já haviam secado e um largo horizonte se abria à sua frente.
Era um fim de tarde e estava quente para os seus padrões frios. As luzes da cidade eram lindas e se desenhavam pela via. Um imenso céu alaranjado lhe dava boas vindas. Mas o seu coração tinha ficado longe, fora do avião. Mal sabia ela que um dia estaria ali, dentro dele. Chegou ao hotel, deixou as malas, sentou na cama, ligou o som. Ouvia uma canção de amor quando abriu o mapa. Nele estava desenhado o avião.  


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