Aquele beijo


Ele podia ter sido a causa do fim de um relacionamento fadado ao fracasso. Mas os astros quiseram que não o fosse. Melhor assim. E eis que, passado um bom tempo, desde o dia em que se viram pela primeira vez, estavam ali, frente a frente, no cotidiano da vida. Quando imaginou que estariam assim tão perto e isso não lhe causaria nada, em um primeiro instante?
Lembra-se muito bem da primeira vez que conversaram, em um café. Ele era extremamente sedutor nas palavras. E alguma coisa ficou no ar. Seus olhares se cruzaram outras vezes e ela teve medo. Muito medo.  
Agora passado tanto tempo, se reencontravam. E se viam todos os dias. Ele se tornou o seu amigo, confidente. Ria-se com ele. Ria-se dele. E achava a vida uma grande diversão. Reencontrava-o em outro momento, aparentemente, sem medo. Sem precisar ter medo. Reencontrava-o em um momento de extrema alegria, muito diferente de quando o conheceu.
Talvez esta diferença é que tenha os aproximado. E, mais cedo ou mais tarde, o sentimento daquela manhã no café, voltaria. Ela nem imaginara. Lembrava-se, às vezes, daquele café, e dava risada. “Que brincadeirinha do destino?”, pensava.
E a alegria lhe contagiava o espírito e, sem saber, ela se enredava. Fazia-lhe confidências. Confiava nele. Até o dia em que viu aquela camisa desabotoada... Estava lhe confidenciando um problema quando olhou para o lado e percebeu a camisa aberta. O peito à mostra lhe fez lembrar do dia do café e de tudo o que sentiu. Desviou o olhar. Lembrou que ele podia ter lhe causado um estrago em sua vida...
Agora não havia mais medo para estragos. Estava aberta a eles. Queria vivê-los. E o peito à mostra lhe convidava... E seus olhos passaram a procurá-lo e sua ausência começou a ser sentida. Até o dia em que se encontraram, longe dali.
Longe do cotidiano, eles se viram. E dançaram juntos, aparentemente, sem medo. Mas ambos morriam de medo! Do que? A insegurança os dominava, como adolescentes, e os passos eram cambaleantes, incertos. Mas como nas músicas lentas de outrora, dançavam com os rostos colados. A barba roçava-lhe. Os olhos cruzavam-se. Os narizes tocavam-se. E eis que a luz apagou e, com ela, veio a coragem. E rolou aquele beijo.

Um beijo suave e curto. Seguido de outros iguais. Com toques suaves e titubeantes. E, de repente, aquele beijo a levou para muito longe, para um passado muito distante, ao sul do seu coração. O beijo lhe transportou para um espaço apertado, de onde ela fugiu com medo. Aquele beijo lhe deu medo. 

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