A essência de um toque


Um toque. Um simples toque é capaz de muito (como se o toque fosse simples). A lambida da mãe no filhote, o vento acariciando a folha, o mar deslizando sobre a areia, a pele encostando em outra pele. Acordar com um toque, para dormir com um toque.
Um toque e o destino se desfaz. Um toque suave, como o pequeno "pi" de um despertador estragado (desses que os camelôs vendem nas ruas, infernizando nossos ouvidos) e o coração já se agita. Ah, e esse toque, que chama mas não continua, lembra o outro, que fez nascer a chama!
Estamos sempre à espera de um toque. Qualquer toque (como se o toque fosse assim, algo tão simples). Ele é o sinal de que algo finalmente será tocado, enfim... Não só trará lembranças, mas o presente que se apresenta.
A caminho do trabalho, passeando pelas ruas, a cada movimento, o coração em alerta. E o toque? Um silêncio ... Foi engano, não tocou. E cada minuto se transforma em uma eternidade. Quanto mais o dia avança, mais o coração acelera descompassado, à espera desse toque. O toque da saudade. O toque dá saudade.
Um toque. Crescente. Que toca, toca, toca e a gente não escuta. E no mesmo ritmo dele, nosso corpo toca, bate forte o coração. E quando corre, já passou. "Eu estava à espera desse toque", se lamenta a jovem. Passa o frio na barriga. "Será que era ele? Maldito ouvido que não ouviu, coração que não pressentiu. O toque.
Estamos sempre à espera de um toque. E quão diferente pode ser esse toque. Pequeno, baixo, gritante, do tamanho da paixão do outro lado que espera. E, enquanto ele não vem – ou até mesmo quando se ouve ele – em uma fração de segundos as lembranças afloram. Pequenos gestos se tornam grandiosos, do tamanho da saudade que espera.
A cada toque, a esperança de que seja aquele toque. E, de novo, a sensação do vazio, de que o toque não tocou o suficiente ou não trouxe o toque esperado.
Um toque traz outro toque. O toque do dedo acariciando o nariz, da mão segurando o rosto, da língua entrando na orelha, do lábio sentindo o outro, do coração ouvido pelo corpo daquele, do suor alcançando a outra pele, da perna encaixada, do pé que desliza e faz cócegas.
Um toque. Só um toque e nada mais. E quando se consegue ele, do outro lado a mudez ou um tu-tu-tu, transformando em ilusão esse toque. Desmanchando os sonhos que o toque embalou. Ou, para os mais sortudos, do outro lado, o ser amado, a voz suave e macia que acaricia os ouvidos com doces palavras. Ah, o toque!
Estamos sempre à espera de um toque. Um toque, um simples toque pode mudar uma vida. Dormir com um toque, para acordar com um toque.

Pelotas
Março/00

Comentários

KahSilva disse…
um toque diz muito.pela maneira como alguém toca, dá prá conhece-la muito.Quem não gosta de ser tocado, ao menos que seja um toque "mortal".
PS:você é de Satolep?
Anônimo disse…
"Satolep" é boa hahaha
Beijos...ou seria sojieb?

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