O primeiro sutiã


“O primeiro sutiã a gente nunca esquece”, dizia o comercial da Valisère. A frase da campanha publicitária de 1987 virou um bordão. Esquece ou não esquece? A primeira vez que fazemos algo parece mesmo ter um simbolismo.



Mas eu não lembro do meu primeiro sutiã... talvez porque as mulheres antes de mim o queimaram e me deram o direito de não usá-lo. Esta peça tão rara em meu guarda-roupa não permitiu que ele ficasse imortalizado em minha memória. Mas outras primeiras vezes são inesquecíveis. Meu primeiro voto, por exemplo.

Voltávamos da ditadura. O Brasil elegia seu primeiro presidente, por voto direto, após iniciada a redemocratização. Mas eu ainda não votava. Lembro-me que parte da minha família ia de Covas, Lula ou Brizola. Eu teria ido de Brizola. Era preconceituosa demais para admitir que “o sapo barbudo” fosse presidente. Um cara sem estudo?

No ano seguinte, daquele mesmo partido, um cara era candidato a governador. Um intelectual.  E eu fui ver quem era esse cara. E gostei. Mas ainda não podia votar.

Em 1992, esse cara era candidato a prefeito de Porto Alegre. Havia sido vice em uma gestão que fez muita coisa MUDAR. Opa, a hora era AGORA! Eu ia fazer 17 anos e resolvi tirar o título de eleitor. E aquele cara e sua UTOPIA POSSÍVEL me encantaram. Virei fã. E peguei bandeira e fui pra rua. E cantei debaixo de chuva, no comício da vitória. Foi minha primeira campanha eleitoral.




Nas campanhas seguintes, virou um ritual estar envolvida, conhecer os cantos desconhecidos da minha cidade ou estado, militar por um mundo melhor. Militar pela mudança que eu via em minha cidade e sonhar que ela um dia ela ocorresse no meu estado ou no meu país.

Eu usei ponto de exclamação no rosto. Eu usei bigode. Eu me vesti com a bandeira. Eu argumentei, eu ganhei votos. E consegui, em algumas vezes, não só eleger aquele cara, mas também os seus companheiros de partido.

Eu fui embora do meu estado e voltei para elegê-lo, de novo, prefeito. Eu mudei de estado de novo e mais uma vez. E quando decidi que trocaria meu título, ele era mais uma vez candidato: a governador. Como não eleger aquele cara, que eu conheci em 1990, que eu militei por ele em 1992 e que me fez acreditar em um outro mundo possível? Mantive meu título no RS e, em 2010, ele virou governador. TARSO GENRO.

Meu primeiro voto me mobilizou para a política. Meu primeiro voto fez eu ver que aquele partido não tinha só operários, nem intelectuais. Meu primeiro voto fez eu conhecer a pobreza e fez eu querer mudar a sociedade. Meu primeiro voto fez eu eleger um operário pouco escolarizado presidente e fez eu escolher uma mulher para governar o meu país. Meu primeiro voto foi determinante.

É lógico que nesses 22 anos muita coisa aconteceu. Alguns avanços poderiam ser maiores, alguns erros poderiam não ter sido cometidos. Mas eu vi, lá em Porto Alegre, a mudança acontecer, nos anos 1990. E eu vi o meu país mudar, apesar de tudo.

E o que eu ganhei com isso? Uma mudança de pensamento, preconceitos a menos e a certeza de que o benefício não é meu, é de uma sociedade. Ocorre que tem gente que não consegue entender e admitir que alguns ascendam social e economicamente, que melhorem suas vidas. Para muitos de nós, brasileiros, era melhor do jeito que estava, nos anos 1990 e início dos 2000. Era melhor a desigualdade social. O que, o filho da minha faxineira com faculdade? O que, o lixeiro com casa própria? O quê???? E assim por diante. Porque tem muito rico e muita classe média no nosso país que falam mal do “pobre que vende o voto”, mas que fazem o mesmo, de outro jeito. É aquele que só elege quem o beneficia diretamente, mesmo que isso signifique que muitos morram de fome, que vivam na miséria. Está pensando em si e não no todo. E uma das coisas que aprendi, ao longo de minha vida, é pensar no todo, na coletividade e não em mim. Talvez para mim fosse melhor ficar como estava... Não, não é o melhor pra mim, pois eu não consigo conceber a injustiça social. Eu não consigo ver a pessoa na rua pedindo esmola, eu não consigo ouvir uma mãe dizer que não tem dinheiro para comprar comida pro seu filho... E comprar comida pros filhos foi uma das mudanças que vi. Como repórter, um dia entrevistei uma mulher que ganhava Bolsa Família e sabe o que ela me disse? Que agora podia dar CARNE para seus filhos. Carne!!! Algo tão básico para nós, os gaúchos (mesmo eu sendo vegetariana). Ela não comprava carne vermelha...

É por isso tudo que eu vi, que eu tenho o maior orgulho de ir para o meu Rio Grande, pegar a bandeira, colocar o bigode e ganhar votos para aquele cara e para todos os que acreditam no mesmo projeto. O meu voto é aberto, escancarado. Porque esses caras lutaram muito para que pudéssemos votar. É por isso que eu vou reviver, neste final de semana, o meu primeiro sutiã.



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