A finitude de vida
Nos
últimos meses, três amigos meus perderam seus pais. No caso de um deles, eu
estava na cidade e pude acompanhá-lo no enterro. Nos demais, não. Nos três anos,
outros dois amigões meus também perderam. Temos todos mais ou menos a mesma idade,
o que significa que seus pais foram embora jovens. Eram pessoas entre 50 e 60 e
poucos anos, não mais que isso. Hoje, a expectativa de vida é de 74 anos, mas
tem gente que vive mais, muito mais.
Nem
todos os meus amigos estavam na cidade onde seus pais viviam. Nem todos os meus
amigos puderam se despedir. E, acho, isso é o que dói. A lei da vida nos diz
que nós, os filhos, vamos embora depois. Se formos antes, dilaceramos as vidas
de nossos pais, pois quebramos uma lei natural. Mas, apesar disso, nunca
estamos preparados.
Um
desses meus amigos escreveu sobre o tema: ESTAR PREPARADO, cerca de um mês antes
de seu pai morrer. Ele teve um infarto – não era o primeiro – e colocou stend. Então,
sua filha, comentou em seu blog sobre o fato de se preparar para, em breve –
que podia ser anos – perder o pai. Eu lhe respondi: NUNCA ESTAMOS PREPARADOS.
Por
mais que nossos pais nos criem para o mundo, que vivamos nossas vidas, nossos
laços não nos permitem que possamos pensar na possibilidade de perdê-los. Fico
pensando em uma prima, que perdeu sua mãe jovem. O quanto esta mãe não lhe fez
e faz falta?
Não
me sinto preparada para perde nem meu pai, nem minha mãe, por mais que a natureza
diga que eles estão mais suscetíveis. E não gostaria de perdê-los estando
longe. Eu quero a oportunidade da despedida.
Quando
eu soube da morte do pai de minha amiga, caí no choro. Lembrei-me de outra, que
havia perdido a mãe repentinamente, em um carnaval, vitima de AVC. Eu não estava
ali para abraçá-la e não podia dizer eu sei o que tu sentes. Nem queria. Eu posso
imaginar o que ela sentiu. Ontem, eu tive a sensação de sentir a dor do outro. Como
se fosse o meu pai ou a minha mãe. Eu chorei copiosamente e fiquei a pensar: o
que estou fazendo aqui, tão longe deles? Quanto tempo ainda tenho de convívio?
Exceto
um dos meus amigos, todos os outros que perderam o pai ou mãe nos últimos anos
são jornalistas. Exceto um, todos vivem em cidades longe de seus pais. Sim,
eles nos criam para o mundo, mas precisamos mesmo do mundo? A bem da verdade,
podemos exercer nossas profissões em qualquer lugar: na cidade em que nascemos ou
longe dela. Independente da profissão. Ocorre que, em certos lugares, há maior
visibilidade, maior chance de promoção, de uma carreira mais interessante, de salários
maiores. Ou nos casamos, temos filhos e ficamos por onde estamos. Longe. E precisamos?
Fico
me perguntando se precisaria ter saído do RS, de Porto Alegre. Teria realizado
os sonhos que realizei? A saída me impulsionou a correr atrás do que queria?
Quando fui para São Paulo nem sabia que já existia faculdade de dança no meu
estado...e se eu não tivesse saído?
Pergunto-me
também: pra que? Para que Mestrado, Doutorado? Para que uma ascensão
profissional? Se dá para pagar as contas...
Eu
sei que minhas reflexões têm a ver com o ocorrido. Lembro-me de quando vi o
filme “Duas vidas” e fiquei pensando: o que estou fazendo de minha vida, o que
quero? Foi o impulso para a faculdade de dança, que só se realizou dois anos
depois. Mas naquela época, meu sobrinho mais velho ainda estava na primeira infância.
E eu pensei: estou perdendo uma fase tão legal dele. Por que estou tão longe? Nasceram
outros dois, que eu acompanhei de longe. Não ouvi deles o primeiro tio, tia,
mãe, vó. Não acompanhei, de fato, seus progressos.
Estou
há 15 anos fora e nos últimos três anos a vontade de voltar é grande. Mas os
sonhos me levaram para outros lugares... Ah, os sonhos. Mas será que viver com
eles, os restos de suas vidas, também não é um sonho? Poder marcar um almoço no
meio da semana, tomar um chimarrão no fim da tarde, jantar... E se eu não tiver
mais a oportunidade de viver isso? Não terei eu, não realizado um sonho?
Sei
que, por mais espírita que seja, me apego à materialidade. Eu não suporto a ideia
de eles me deixarem. Não suporto a ideia de eu não ter tempo de me despedir. Lembro-me
de quando minha vó querida se foi. Há tempos que eu não a via. Ia para o RS a
trabalho e pensei: vou visitá-la. Eu estaria na nossa terra no final de semana.
Ela morreu antes e eu apenas presenciei a missa de sétimo dia. Eu não me
despedi. E essa dor eu carrego desde então. Há quantos anos eu não a via? Desde
que fui embora do RS, quantas vezes eu a vi?
Não
sei o que eu mereço. Não sei se viverei um dia, ainda, na mesma cidade que meus
pais. Mas se eu tiver merecimento (e não viver onde eles vivem), que pelo menos
eu tenha a oportunidade da despedida. Que eu possa abraçá-los e dizer o quanto
vou sentir a falta deles. A falta do não vivido. Porque, quando criança,
tivemos várias separações que não nos permitiam viver tudo o que podíamos. Agora,
os dois não têm ocupações, nem preocupações conosco, agora, nós, filhos adultos
é que nos separamos, que estamos ocupados. Mas quem sabe não repensamos nossas
vidas (e não digo só de mim) e vivemos com nossos pais seus últimos dias. Eles estavam
muito conosco nos nossos primeiros...
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