Ainda não ou não
Não. Ainda não. Eis duas respostas para a mesma pergunta
que, há algum tempo, ficam me martelando na cabeça. Tem vezes que penso que
talvez ainda seja ainda não. Outras horas eu acho que tenho de aceitar os fatos
e dizer não. Apenas não, sem reticências.
Na verdade, não tenho uma posição formada. O fato é que, aos
30 anos, eu decidi que não podia mais perder meu tempo. Já havia sonhado com
ele: pele clara, boca carnuda e cabelos pretos. Um rosto e um nome. Uma imagem
que desde 2002 ou 2003 – não lembro – me perseguia: o guri.
E, desde aquela imagem, eu o procurava nos outros. Antes de
sua imagem me aparecer, já havia pensando naquele guri e querido que um certo
alguém fosse o dono da forma. É verdade que quando conheci este certo alguém
não queria o menino. Imaginava que ganharia uma família pronta, que apenas me
encaixaria nela. Sei lá porque um diz quis o menino – na verdade uma guria –
que tinha nome. Se fosse guri, o certo alguém poderia escolher o nome... Ele me pegava pela mão e me levava num caminho
outonal, que se transformava num inverno europeu. Mas onde ele está agora?
Um dia – muito tempo depois de vê-lo - eu decidi que tinha
de achar o pai dele. Alguns candidatos já haviam aparecido no meu coração, como
na canção do Chico. Dois deles eu desejei muito que fossem o pai do guri. Mas
não foram. E naquele dia eu radicalizei: se queria ter o menino precisava mudar
meu padrão de relacionamento. Deixar aqueles mais velhos que eu, deixar as
famílias prontas, para buscar aqueles que nunca haviam vivido isso, assim como
eu.
Foi o que fiz e, confesso, não foi a solução melhor. Se,
hoje, olhando para trás, eu soubesse que o guri não viria, teria continuado no
mesmo padrão de relacionamento. Talvez tivesse mais certezas... Sei lá, a gente
nunca sabe o que vai ser no final.
O fato é que escolhi errado, eu insisti numa relação falida
por causa do guri, mas ele não veio (e, sinceramente, eu disse graças a Deus!).
Quando mudei meu “status de relacionamento”, nas últimas duas vezes, o guri
pesou significativamente. Foi por causa dele que eu insisti numa relação que
estava fadada ao fracasso – mas que era com alguém mais jovem, que também não
tinha sido pai e que, disse, queria sê-lo de um guri com aquele nome... Santa
ingenuidade.
Quando percebi que estava numa canoa furada, foi o guri que
me doeu. Sozinha eu passava por famílias prontas e pensava naquela que não
construí. E olhava para o espelho, pensando: ainda não ou não?
O fato é que chega uma hora em que nós queremos ser mães –
para a maioria, pelo menos – e, como diz um amigo, sai de baixo nesta hora.
Então a gente procura alguém para dividir o sonho. Mas é tão difícil de achar
esta pessoa. E o tempo passa e o relógio biológico fica ainda mais forte:
tic-tac-tic-tac. E toda a vez que a gente se olha no espelho, fica a perguntar:
o tempo passou ou ainda sobra um pouco?
Talvez eu tenha a resposta. Mas tenha medo dela. Ou só saiba
quando ela não me doer.
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