Tempo, vento, encontros e desencontros





Há anos ela não se apaixonava. Mais de meia década. E, de repente, quando aquele sentimento vem a sua vida novamente, surge de forma arrebatadora. Caiu de quatro, literalmente.
Pior, nem percebeu que estava se enredando. As coisas foram de um jeito que, um dia, quando viu, já não sabia o que fazer.
Era bem mais fácil quando ela conquistava. Assim, tinha domínio das coisas ... Agora, tinha sido fisgada e nem notara. Só se deu conta quando a paixão lhe doía. Mas, no fundo, quem disse que ela não conquistara o objeto da paixão?
Ela nem sabe explicar como aconteceu. Não lembra nem a primeira vez que o viu. Só vem à cabeça o dia em que viu nos olhos dele o desejo. E, neste dia, o detestou. 
O fato é que os dois eram estrangeiros naquela cidade. Mas ela já sentia em casa e ele não. Começaram a se encontrar meio por acao, para "aplcar a solidão" naquela cidade sem esquinas. E ela o guiava pelas ruas, como na música do Chico, que ele insistia em cantar. A música, por sinal, era motivo de conversas iniciais. Ele era amanter do Pink Floyd. Ela, de um monte de coisas, como se a vida fosse um filme, com trilha sonora sempre.Suas conversas físicas e virtuais eram permeadas por música... Depois, por filmes. Nas entrelinhas havia um nome de filme, uma cena, uma estrofe.
Sem perceber, ela se enredava, dia a dia, ao mesmo tempo em que fugia de se envolver. Tinha medo. Medo da diferença de idade, das vidas, de problemas profissionais.
Era uma relação no limite. Que ela preferia que ficasse só na amizade. Mas nem notava que ia muito além disso. No fundo, o desejo ardia dos dois lados. Mas ela só percebeu quando explodiu.
No início, um beijo na mão. Depois, no rosto. Um tocar no cotovelo. Um pegar na mão. A cada dia que se viam, ele chegava mais próximo. E ela nem percebia que estava sendo “roubada, invadida”. Uma pitoca. Uma mão na perna. Até o tão esperado beijo, em uma tarde primaveril em pleno outono. Tinham ali o seu dia de irresponsabilidade, quando a urgência do mundo lá fora os chamava. Mas para que, se quando estamos encantados não lembramos do resto ao redor?
Ela tinha medo do despertar da primavera. E foi exatamente isso que ele fez na vida dela, sem os dois perceberem. O que ficou de cada um no outro, poucos sabem. Nela, um rombo, um enorme estrago. Nele? Na luta entre um escorpião e um caranguejo, a vitória foi daquele que tinha o veneno nas mãos...
Veneno inebriante que encantava a todas... e foi isso o que doeu. “Oi, meu bem, tudo bem?”, ouviu enquanto jantava, no outro lado da sala, quando ele atendeu ao telefone e disfarçou. Uma amiga já havia comentado que o vira com outra numa festa. “Coisas de trabalho”, ele dissera. Tão jovem quanto ela. E será que tão apaixonada? Nunca soube.
A partir daquele dia, puxava cada fiozinho para se desenredar. Precisava se desvencilhar daquela paixão. Tanto tempo sem viver aquele sentimento louco e quando vinha, arrebatador, era para cortar o coração, despedaça-lo. Uma noite, tomou coragem e disse adeus. E ele: “D’ont worry”, como na canção. 
O veneno do escorpião ainda ficou doendo por algum tempo, até que o tempo, senhor da razão, fez as feridas cicatrizarem. E o vento, trouxe de longe, um novo amor. Tranqüilo e sereno. Intenso, mas não arrebatador. Como se depois daquela paixão louca, quase proibida, o coração precisasse de uma massagem.


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