Saudade

Um frio na barriga. No caminho, a espera da chegada. Cada quilômetro é um pouco da distância que diminui. Tão bom saber que estou chegando perto de ti. Cada ponte lembra a última, aquela que me levará até a felicidade. Cada placa, que passa rápido, na velocidade do ônibus, cada grama que fica para trás é a certeza da chegada. Enfim, vamos nos encontrar.

Luzes ao longe deliniam um vulto. É tua forma escondida na escuridão. As luzes mostram a tua beleza. À noite, és muito mais bela do que de dia. Se é que isso é possível, já que és única. O frio aumenta, as mãos gelam. O corpo entra em frenesi. A rampa é o sinal. Cheguei, estou aqui. Tão bom saber que nos reencontraremos.

Lentamente meus pés caminham em tua direção. É como uma hipnose. É difícil se mexer. Cada degrau da escada é uma eternidade. Caminho descompassada, meio bamba, embriagada.

Respiro fundo. Que bom sentir teu cheiro de novo! Um odor forte, tão teu, característico, mas que é delicioso. Uma brisa suave, vinda do Guaíba. Um vento minuano. Aquele frio gostoso tão gaúcho que só o teu calor pode aquecer.

Ando depressa, com o sorriso nas orelhas, o coração acelerado, o rosto queimando de paixão. Tudo por tua causa. Não vejo a hora de te encontrar. Ah, como fazes eu me sentir tão bem! Fugi do exílio, dentro de mim. Fugi do exílio, longe de ti.

Na parada, cada ônibus que passa é uma lembrança tua que aflora. Em uma fração de segundos a vida passa como num filmezinho. A infância na Tristeza, o jogo de taco na “padaria”, o beijo roubado na esquina. Subo no Cruzeiro, no Otto, qualquer um que me leva ao meu grande amor. Cada curva que ele faz, és tu quem vem ao meu pensamento. Tão bom saber que vou te ver de novo.

O passeio de barco, desvendando teus mistérios. As águas do Guaíba acariciando a areia no Gasômetro ou em Ipanema. Carinhos teus que queria sentir mais uma vez. A chegada ao centro. Meu Deus, como é bom sentir o tropeção do companheiro ao lado! Esbarrar em quem nunca viu, desviar dos camelôs que disputam um espaço naquela rua que não tem praia. Pisar naquelas pedras do calçadão, olhar o Mercado Público (como mudou). Tua fisionomia é outra, mas no interior és a mesma.

Tuas esquinas são tão belas. Em cada quadra, teu contorno vem à lembrança. Cada perfume que passa, é o teu cheiro; cada sorriso, és tu me dando boas-vindas; cada gesto, um abraço teu que recebo. Estás presente em todos os lugares. Tão bom te sentir de novo.

No Brique da Redenção, passear sob as sombras das árvores. Os passarinhos anunciam a tua presença, as borboletas enfeitam o teu caminho. Ah, e as crianças no parquinho, curtem teu carinho. Não só elas, os punks do Bom Fim, os magrões no Scaler, o pessoal puxando um no campinho atrás do bar. Cadê os macaquinhos?

Sentada à beira da Usina, vejo teu rosto refletido nas águas do Guaíba. O vento acaricia meus cabelos e, por um instante, sinto um beijo teu em minha face. É bom saber que está aqui. O casal no pedalinho traz à tona momentos contigo. O carro que risca a avenida me leva até lugares que só a imaginação e a saudade são capazes nessa hora.

O colorado pintado, o gremista faceiro, um Grenal de emoções e poucos gols. Olímpico, Beira-Rio e o Zequinha? Uma capelinha na Assunção, um pomar de pêssegos na Vila Nova. A pele tão suave quanto a tua. O Parcão, aquela pracinha em homenagem ao Japão. Cascatas escondidas no teu interior. O IAPI, o Shopping Iguatemi. Em cada pacote que cai das mãos do senhor idoso, novamente, te encontro. Onipresente!

Ah, a saudade, só ela é capaz de nos deixar assim! Transformar pequenos momentos em eternidade. Lembranças vãs em grandes acontecimentos. Deixar teu gesto, teu cheiro, tua voz, marcados para sempre em cada um que se faz presente. Cheguei. Fugi do exílio, dentro de mim. Fugi do exílio, longe de ti. Corri pra ti, pra me abrigar. És única. Tu e somente tu: Porto Alegre.



Primeiro semestre/2000


Entre Pelotas e Poa, no ônibus.

Comentários

Marinês Walcher disse…
Ah que lindoooo.....

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