Corrientes: a música inacabada

Ela caminhava por Corrientes, naquela cidade mágica que, se pudesse, moraria. Uma cidade linda, que respira um antigo cultural que não encontrara no Brasil. Porto Alegre é uma mini Buenos Aires? Um dia alguém lhe perguntou.

Buenos Aires é a cidade da dança – e não só do tango. E as ruas a convidavam para a caminhada, no ritmo da sua dança interna. Sem medo, sem preocupação, apenas sentindo o ar platino. E sorvendo-o, numa experiência que transformaria sua vida. É a cidade das paixões.

Naquele dia, estava só. Sua amiga já havia partido para a “mini Buenos Aires” e, ela, no dia seguinte, iria para aquela cidade cinza e fria em que morava e que ainda não aprendera a amar ou gostar. Apenas sobreviver e aceitar. O meio para o fim.

Então, ela andava, andava como se estivesse em casa. Blusão vermelho, jaqueta azul, calça jeans e botas. Caminhava como se fosse de casa, ao léu. Talvez passasse no palácio do governo, na Casa Rosada, talvez fosse um pouco mais além.

Corrientes... Caminha por Corrientes (como na música). Naquela rua, ao atravessar o sinal, foi parada. Ele lhe perguntou as horas ou como ir a algum lugar. Não importava. Ele a havia enxergado, do outro lado da calçada, como se tivesse uma visão. E sabia que precisava detê-la. E o fez. Por quê? Talvez ela nunca soubesse...

Então, viu que ela não era dali. Mas por algum motivo que nunca descobrira, queria viver cada momento daquele dia, deter aquela imagem. E a convidou para um café, em Corrientes. E brincou que aquela situação acontecera em uma música... Por coincidência ou não, a cafeteria ficava do outro lado da rua.

Entraram no salão. Ele puxou a cadeira, segurou seu casaco, enquanto ela o retirava do corpo – com aquele ar sedutor dos “hermanos” - e sentaram. Fizeram os pedidos e começaram a se conhecer. Profissões distintas, países distintos, vidas... e uma sedução nunca antes vista. Um olhar que há tempos ela não sentia: um olhar quente, de raio X. Que lhe lia a alma, que lhe tocava a pele. Um olhar de desejo.

O café era pouco para aqueles corpos estranhos. O café era pouco para o encantamento. O dia era pouco para os dois. E agora, o que fariam? Para ela, era feriadão. Para ele, dia normal de trabalho. Perguntou o que iria fazer depois dali. Um passeio pela Casa Rosada ou pelo Porto Madeira. Dependia do tempo, pois chovia...

Separaram-se e marcaram de tentar se ver ao fim do dia, quando cada um cumpriria suas “programações” e o destino os embalaria. Separaram-se com gostinho de quero mais. Do lado dele, nunca soubera o que se passara. Do lado dela, um misto de curiosidade e medo. Afinal, estava em outro país, e ele era um estranho.

À tardinha se reencontraram e fizeram o passeio anti-turista. Foram aos lugares onde os argentinos freqüentam. Viveram a rotina da capital. Um café numa rua perpendicular a Corrientes. E a grande sedução, embalada por um perfume tentador. O corpo dizia sim, a mente dizia não. E o anjo e o diabinho brigavam em sua mente, enquanto conversavam.

Uma pizza em uma rua paralela. Uma bebida (tipo um vinho) que eles tomam neste lugar. E o medo da tentação...

Após a janta, uma caminhada à noite por Corrientes. Naquela mesma rua foram a um lugar que tinha um mirante. E onde ele poderia então consumar a música... Mas um dos dois (anjo ou diabo) falou mais alto e ela disse que precisava voltar para o hotel. Ele insistiu... Sem olhar para trás, ela se foi. Sabia que poderia ceder. Sabia que podia se arrepender. Não sabia o que podia acontecer...

Aquela música ficara incompleta. Nunca mais o vira. Nunca mais se falaram. Nunca mais sentiu o olhar do desejo, a pele queimando. Aquela noite ficou guardada numa canção a ser composta, em uma letra indecifrável, com a melodia da sedução. Nunca mais Corrientes...

Comentários

Braziliense disse…
Que horas não são?
Nádia Baldi disse…
Pois é... melhor se arrepender pelo que se fez do que pelo que deixou de fazer e que hoje nos trás saudades e infinitos pontos de interrogação do que poderia ter acontecido... Isso me lembrou "Olhos de Lua" rsrsrs
enfim...coisas do "destino"...nossos encontros desencontrados...
bjão!!
Marinês Walcher disse…
ah se fosse eu... rs

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