Eu tenho medo que não voltes

 

A primeira vez foi um susto. O telefone tocou à noite. A notícia veio direta, sem rodeios. Desliguei o telefone e caí no choro. Fiquei como barata tonta: o que faço?

De repente, estávamos todos lá. A família inteira. Filhos e filhas, irmãs, sobrinhos e sobrinhas. A festa foi cancelada. Mas a reunião estava garantida, em outro lugar...

Foi só um susto.

Os sustos costumam fazer a gente rever nossas vidas – geralmente, para quem os leva. Lembro-me do dia em que ouvi: tu quer morrer, com o cano na minha cabeça. Foi depois do teu susto. Só pensei que não queria morrer e, depois, que tinha que viver coisas que não tinha vivido até ali. Quem eu devia procurar? Lembro-me, então, daquele filme em que a mulher está com câncer terminal e vai resolvendo todas as coisas importantes. Foi meio assim que me senti ali.

Mas o tempo passa e a gente cai na rotina. E, às vezes, as mudanças são esquecidas e voltamos para os velhos hábitos... Precisamos de outros sustos. Como os gatos, que têm sete vidas. De quantos sustos são feitas nossas vidas?

A segunda vez eu estava longe demais das capitais. Não tinha o que fazer, não tinha como estar perto. Depois delas, as idas começaram a ser mais frequentes. E as voltas, mais demoradas.

Sempre que tu vais, eu tenho medo que não voltes. Lembro-me de uma das vezes ficar contigo dias a fio. E, ao voltar para casa, só, lembrar daquela canção: naquela mesa está faltando ele, e a saudade dele está doendo em mim. E fiquei a imaginar como seria o dia em que tu não voltasses. Não consigo imaginar.  Porque dói.

Quantas vezes estivemos lá? Lembro de uma delas, meu irmão furioso, porque não te cuidas. E eu tentando minimizar as nossas dores... Depois desse dias, as idas foram mais frequentes, brincávamos que estavas com saudades do teu SPA. Mas desde quando um hospital é um SPA?

Tem dias que fico a pensar quando será a próxima ida. Tem dias que penso que ela não vai haver. E me pego a cantarolar aquela canção da saudade; ou a outra que diz: Nunca pensei, um dia chegar, te ouvir dizer hoje eu vou te fazer chorar. E choro.

Preparo a tua volta. E espero. Mas sei que um dia tu não vais voltar. De quantos sustos são feitas nossas vidas?

 

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