Dez(s)Amores

"Você que já não diz pra mim as coisas que eu preciso ouvir
Você que até hoje eu não esqueci
Você que eu tento me enganar, dizendo que tudo passou
Na realidade, aqui em mim, você ficou"
(Você, de Roberto Carlos e Erasmo Carlos)



Há tempos quero escrever sobre esse processo de criação que vivo com minhas alunas e alunos e que, inevitavelmente, tu te presentificaste. Dez(s) Amores são dez cenas que falam de amor ou desamor. Há anos queria fazer um espetáculo que falasse de amor... Engraçado falar de amor/desamor justo neste ano, em que completamos 20 anos de encontros/desencontros... Sintomático, não? Talvez por isso tu te tornes tão presente em minha obra?

Como o semestre começou em novembro e termina em abril, vamos dançar esta obra apenas agora, no mês que vem.

As 10 cenas foram montadas de formas diversas. Duas delas nasceram de fragmentos de textos sobre amor - que eu e os alunos e alunas trouxemos. Outras duas vieram de entrevistas com pessoas: o que é amor? Uma delas nasceu de colagens de fragmentos de obras da dança sobre o amor. Não te vejo nessas cinco, mas tu surges, depois, nas outras.

Quatro cenas vieram da escolha de obras literárias que levei: contos de O silêncio dos amantes (Lya Luft) e Carta a D. (André Gorz). Os alunos e alunas leram esses textos e escolheram quatro. E uma cena nasceu de uma história real que cada um de nós escreveu, a turma leu sem saber de quem era e escolheu.

Pois é nas histórias (reais ou não) que tu começas a aparecer. A primeira vez que te vi (me vi e nos vi) foi na cena: Amar não é suficiente, inspirada no conto Ádria (de O silêncio dos amantes, de Lya Luft). Uma cena que nasceu da manipulação de objetos: os alunos e alunas tinham de levar objetos que remetessem aos contos lidos. Ou seja, objetos de todos os contos, mas que se reverteram a apenas uma cena, a de Ádria. E quando vi, eram três mulheres em cena. Todas eram Ádria. Ao fim daquele dia, em que construímos pela primeira vez a cena (e que ficou do modo como nasceu, diferente de outras, que modificamos), confesso que me segurei para não cair no choro. Eu me vi em cena, eu nos via...

Estávamos entre novembro e dezembro, quando isso aconteceu. E foi em dezembro, mais uma vez, que te vi. Em uma cena que não te pertencia: sobre a história real. A história escolhida foi minha: Não era nada óbvio. A movimentação nasceu da técnica de contato e improvisação. Cada dupla ou trio mostrou o que produziu, escolhemos uma ordem e elas (eram só mulheres) começaram a dançar. Havia selecionado diversas músicas que falavam de amor e, nesta cena, coloquei: Outra vez. Era um sábado, lembro-me que eu estava sentada perto de uma parede, no meio da sala (a proposta é o espetáculo em forma de arena, ou seja, com público em todos os lados). Mais uma vez me vi, te vi, nos vi... e as lágrimas quiseram vir e eu fiquei segurando-as. Foi forte e perturbador.

Vieram as férias, voltamos e passamos a mexer nas cenas, dando um acabamento final. E eis que, mais uma vez, tu surges: na cena que nasceu de Carta a D. Ah, mas seria óbvio, não? Mas a movimentação, em hipótese alguma, diz respeito ao casal. A cena chama-se: A carta não enviada e, ao contrário da história, virou quase que um desamor: são abraços diversos, como se de despedidas. Chegamos a ensaiar, um dia, com Encontros e despedidas. No penúltimo ensaio, a turma propôs que o público lesse cartas de amor, trechos de quatro cartas. Decidimos que cada um de nós escreveria um parágrafo apenas. E a turma escolheria quatro parágrafos. E aí, tu surgiste. Não lembro como foi aquele meu email doído e raivoso, pois na época, depois de enviá-lo, eu deletei. Mas lembro-me do sentimento ao escrevê-lo e foi ele que veio à tona, na hora da escrita: "Afinal, o que é o amor para você? Você disse que me amava..." Foi por aí o meu parágrafo. Sim, com você, para que não ficasse óbvio, na leitura, que a escrita era minha. Pois este parágrafo, após um outro, escrito por uma menina que fala do amor eterno, para várias vidas, foi um dos quatro escolhidos. E tu estava ali, de novo em Dez(s) Amores.

Tu nunca me viste dançar. Eu nunca dancei pra ti. E eis-me aqui, finalizando uma etapa, dançando para a gente, sobre a gente.

E eu choro. Não de dor. Não sei do quê. Seguro o choro em todas essas cenas. E choro quieta, sozinha, depois... Mas tenho de certeza que dia 16 de abril, quando a turma dançar, talvez esse choro contido se esvaia... O que ele vai significar? Não sei.

Eu choro enquanto escrevo essas linhas, guardadas há meses. Porque tem sido difícil parar para pensar em mim e nos meus sentimentos quando estou em um ritmo que, como disse uma pessoa que conheci outro dia, é suicida. Tudo ao mesmo tempo agora: aulas no Doutorado, escrita da tese, qualificação marcada, aulas da universidade, montagem de espetáculo, viagens semanais...

Mas tenho de finalizar. E preciso terminar essa etapa. E enquanto escrevo essas linhas, eu me pergunto: o que isso tudo tem a ver conosco, contigo, comigo? Nossa etapa também se finaliza? Lembro-me de um texto que escrevi, sobre as pontuações... Nestes 20 anos, que se completam em 2016, temos sido muito mais reticências que outros pontos.

A única certeza que tenho é: Sim, eu (ainda) te amo.


"Você foi, dos amores que eu tive, o mais complicado e o mais simples pra mim
Você foi o melhor dos meus planos e o maior dos enganos que eu pude fazer
Das lembranças que eu trago na vida, você é a saudade que eu gosto de ter"
(Outra vez, de Roberto Carlos)





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