Devolva-me

Eram 23h30 do dia primeiro de fevereiro quando eu e minha amiga chegamos ao Rio Vermelho. A noite ainda começava. E se encerrava, naquele dia, um circuito de festas religiosas, iniciadas dia 4 de dezembro. Iansã abre. Iemanjá fecha. Como não ir a um festa destas, morando na Bahia?
A caminho do local das oferendas - balaios - um pai de santo pede para nos benzer. Carimbada já das lides baianos, passo. Minha amiga, não. E acaba marchando com 50 contos... Compramos, por ali, cada uma, uma rosa, que iremos colocar no balaio.
Deposito minha rosa, enquanto faço meu pedido. Ao sairmos, minha amiga diz: Tu és louca? Como podes pedir isso a Iemanjá? Ao colocar minha rosa, eu disse: Obrigada Iemanjá, mas agora devolva-me pra Oxum. Iemanjá a mulher da água salgada. Oxum da água doce... Oxum pra mim tinha lugar certo no mapa do Brasil.
Mal sabia eu, naquele dia, que ela atenderia ao meu pedido...
Quase oito meses depois, estou eu, a caminho da UFBA, passando pela orla de Salvador. O dia estava lindo: o azul do céu se encontrava com o do mar. Salvador, por algum motivo que eu não sei explicar, estava irradiante. Enquanto admirava a orla, vieram-me algumas questões: eu só vou gostar daqui quando for embora? Vou sentir saudades um dia? Nunca senti saudades de São Paulo, mas dos amigos de lá... Irei um dia passar férias na Bahia? Enquanto pensava sobre isso, uma frase me martelava: você só sai depois que gostar.
Rumava para minha qualificação de Mestrado. Saí dali com indicação de UP Grade para o Doutorado. Na prática, se quisesse, podia apenas ser doutora, daqui a dois anos. Mas resolvi defender o Mestrado, em uma segunda-feira, no Dia Mundial de Combate à AIDS. Saí dali pensando: Iemanjá, sua danadinha... vai fazer eu gostar daqui...
Algum tempo depois, em alguma viagem minha, descobri que não necessariamente Iemanjá é a mulher da água salgada. E que Nossa Senhora da Conceição, Oxum, é a padroeira da Bahia...
Cheguei à minha defesa, performativa, e um dos membros da banca disse: está vestida de Oxum. Na Bahia, tudo tem ligação com orixá. E eu vou saber que amarelo é cor de Oxum?
Ao fim da defesa, outra pessoa da banca - minha futura orientadora - comenta que tinha trazido um vídeo para mostrar: eu dançando na cachoeira. O dia em que "Oxum me apossou". Escrevi um texto acadêmico sobre isso: as descobertas que fiz na cachoeira, depois de tentar descê-la, afoitamente, seguindo a dança de Oxum. Desci no dia seguinte, com muita técnica...
Oxum, reverenciada em Salvador - é feriado local no seu dia. Oxum! Eu descobri ali que ela me acompanhou o tempo todo, no Mestrado. Eu descobri que pedi à santa errada e fiz o pedido errado. Sim, Iemanjá me devolveu para Oxum...

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