Fugas





Foi tu quem um dia me fez fugir. Teu olhar penetrante me fulminou. Minhas pernas, então bambearam, as mãos suaram e meu coração disparou. Eu me senti sem chão e, com medo, fugi.

Foste tu quem um dia me sacudiste e, então, eu não sabia quem eu era, para onde ia. E tinha medo. Tu me deixaste medrosa.

Foste tu quem me despertou uma paixão sem rumo, enlouquecida e perigosa. Apresentaste-me um universo desconhecido e me fizeste vacilar. Eu tinha medo de me jogar pelo abismo e não encontrar a tua mão ao lado para me segurar.

Foi tu quem um dia me fez fugir e não viver o que poderia ter sido. Mas construí o que também podia não ter acontecido.

Fugi de ti como quem foge da morte. E ela me perseguia, como um fantasma. Fugi de ti com medo do desconhecido, e encontrei coisas inimagináveis longe de ti.

Foste tu o culpado por tudo o que sou hoje, fortalecida. Se não tivesse medo, não tinha fugido, não tinha vivido.

Foi tu quem um dia me fez fugir, para nunca mais voltar. Voar para sonhos mais altos, longe de ti, longe do desconhecido que me oferecias. Minhas pernas bambas queriam sentir o chão e tu não me oferecias ele. Minhas mãos suadas queriam o quente do conforto e da segurança e tu não me davas. Meu coração disparado queria apenas bater, em um ritmo gostoso, sem sobressaltos. Mas qual o que? Tu também não sabias como amansá-lo.

Então, fugi de ti, desesperada, como fiquei quando o coração acelerou. Na fuga, me debati, cai e me levantei. Destrambelhada, me machuquei e chorei e sofri. Mas tu não me alcançaste. Verdade que me perseguiste por algum tempo, e eu seguia minha rota, sem olhar para trás.

Foste tu quem me fez não olhar para trás, apenas mirar em frente, às vezes, desgovernada, tentando achar um porto seguro. Foi tu quem um dia me fez fugir e eu não sabia, que ao final, a fuga seria deliciosa. Mas os caminhos percorridos foram turbulentos, como era o nosso amor. Ondas gigantes, revoltas, com idas e vindas. Medos. Calafrios. Mas eu seguia, em rota de fuga, correndo desesperada atrás de um porto seguro. Mesmo que sem mar.

Foste tu quem me levou para longe de ti. Sem barco. Sem mar. Mas se eu olhasse no espelho, tu me perseguias. E eu corria, corria para me livrar daquele medo, do incerto que tu me trazias. Então, um dia, eu tomei coragem. Quebrei o espelho. Teu reflexo não mais me perseguiria.

Foi tu quem um dia me fez fugir. E, por muito tempo, ficar medrosa. Não queria mais as pernas bambas, o suor das mãos e o coração acelerado.

Foste tu quem me fez um dia olhar para trás. Serena. Sem medo. E tu estavas lá, no passado, e não aqui, no presente, ao meu lado. Para frente também não te encontrava. Eu olhei ao redor e sorri. Não me causavas mais medo. Nem calafrios. Mas também não me fazias mais o coração disparar, as pernas tremerem, a mão suar. Não me causavas comoções.

Foste tu quem um dia me fizeste ficar forte para te enfrentar. Mas foste tu também quem fez a gente se separar. Tão longe, tão distante, que os corações serenaram de um jeito que, por vezes, quase pararam. Algumas outras, o meu palpitou um pouco. Mas nunca mais tive medo.

Foste tu quem um dia fez eu me jogar em outros abismos. Naqueles que tu não estarias – e nem eu queria – lá embaixo para me amparar. Por vezes, eu me quebrei, outras, uma mão amiga me segurou.

Foi tu quem um dia me fezeu olhar para trás e pensar no que podia ter sido. E tu, mirares para frente, enxergando-te ao meu lado. Neste dia, tu ofereceste a tua mão, sem medo. Talvez estivesse quentinha. Estavas com os pés no chão. E eu também. Alcançou-me ela, quase a tocaste. Mas eu a deixei no ar. Fugi, sem medo, para voar mais alto.

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